Cadeia neles
Vilões vão falando e a mídia, estranhamente, faz de conta que não ouve
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É profundamente preocupante observar como parte significativa da imprensa brasileira tem tratado um réu condenado por atos antidemocráticos, acusado de tentativa de golpe de estado, notório disseminador de negacionismo científico durante a pandemia, envolvido em escândalos de corrupção e investigado por apropriação de joias públicas, como se fosse uma figura política respeitável e um candidato viável para a presidência em 2026. Essa postura midiática não apenas distorce gravemente a percepção pública, mas também viola os princípios básicos do jornalismo responsável e corrói os alicerces da democracia.
Primeiramente, é inadmissível que veículos de comunicação sérios e influentes confiram ares de normalidade política a um indivíduo que, além de responder a múltiplos processos criminais de extrema gravidade, desrespeitou publicamente a dor das milhares de famílias enlutadas pela COVID-19 com seu negacionismo irresponsável. A imprensa tem o dever inalienável de informar com rigor, contextualizando historicamente o passado e os fatos judiciais consolidados, não de conceder legitimidade indevida a quem possui um histórico marcado por ataques sistemáticos às instituições democráticas, à verdade científica e à probidade administrativa.
Essa cobertura parcial, desonesta e frequentemente leniente, contribui para a perigosa normalização de comportamentos antidemocráticos e criminosos, confundindo deliberadamente o eleitorado e banalizando a gravidade das acusações que pesam sobre o acusado. Além disso, ao apresentá-lo repetidamente como um nome “aceitável” para concorrer à presidência, a imprensa ignora o fato de sua inelegibilidade até 2030 pela Lei da Ficha Limpa, e desconsidera de forma irresponsável, o impacto devastador que seu eventual retorno ao poder representaria para a frágil estabilidade política e social do país.
Mais do que uma simples falha jornalística, esse tipo de tratamento midiático configura um desserviço à sociedade brasileira. A imprensa deveria funcionar como um instrumento ativo de defesa da nossa democracia, não como um palco facilitador para a reabilitação midiática de figuras que comprovadamente atentaram contra ela. É urgente e fundamental que haja uma reflexão profunda sobre os critérios editoriais adotados e que o jornalismo retome seu compromisso ético primordial de informar com responsabilidade, clareza e absoluto comprometimento com a verdade factual.
A transparência rigorosa e a crítica fundamentada são essenciais para que nossa democracia não continue sendo sistematicamente minada, como lamentavelmente testemunhamos nos últimos anos. Em um momento tão delicado para o Brasil, onde a polarização extrema já compromete seriamente o diálogo racional e a construção de soluções coletivas, não podemos permitir que meios de comunicação legitimem, de forma leviana, candidaturas que representam um risco à ordem constitucional.
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Rafaela Lopes, colaboradora do Café Literário, eventualmente escreve outros textos para diferentes editorias de Notibras