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Do fundo do baú

Vovó e a fotografia de 1910, oferecida por 100, levada por 30

Publicado

Autor/Imagem:
Eduardo Martínez - Foto Reprodução das Redes Sociais

Vovó hoje deu para recordações. Mal coloquei o pé na sala, ela já me mandou ir até a estante e pegar um grosso volume debaixo de um jarro de flores de plástico. Um álbum de fotografias, que, ao abri-lo, percebi que há muito não era aberto, pois foi possível enxergar a poeira que subiu, graças à luz que entrava pela janela entreaberta.

Minha avó me mandou sentar ao seu lado no sofá de três lugares. Do seu outro lado já se encontrava o Virgulino, gato vira-lata que poderia se passar por angorá aos olhos de alguém menos avisado, tamanha exuberância da sua pelagem. Não era puro, mas isso não era empecilho para os mimos de vovó, que os atendia sem reservas, apesar dos protestos de vovô, que andava cada vez mais entretido com a própria rabugice.

As primeiras fotografias, diversas que me recordavam de tê-las visto no meu tempo de menino, continuavam lá. Algumas desbotadas, outras querendo se despregar por conta da cola vencida. Meu bisavô, sentado em uma poltrona, era a que mais conhecia, mesmo porque havia um porta-retratos com uma cópia maior bem na mesinha de centro. Seus olhos claros se destacavam, apesar do preto e branco da fotografia.

— Papai possuía os olhos azuis que nem céu em dia de brincar no parque. Nenhum dos filhos puxou os olhos dele. Os seus lembram um pouco os do dele, mas os de papai eram mais bonitos.

Ao lado da fotografia do meu bisavô, encontrava-se a minha bisavó. Ela estava diante do portão da antiga casa da família. Era nítida a semelhança da minha avó com sua mãe. No entanto, a filha, hoje aos 80, poderia se passar por avó da própria mãe, que, no retrato, deveria estar perto dos 30 anos.

Várias páginas viradas, vovó contando uma coisa ou outra sobre as pessoas, inclusive sobre um cachorro que surgiu ao lado do irmão, meu tio-avô Reynaldo. Ela me contou que o danado aprendia truques novos a cada semana, o que divertia a família. Mas eis que uma fotografia me chamou a atenção. Datava de 1910, que sabia ser bem antes do nascimento da minha avó.

— Não sei de onde é essa, Jorge. Mas há dois ou três anos estava passeando e me deparei com ela numa banca de camelô. Não tive dúvida e resolvi comprá-la. O homem queria vendê-la por 100 reais. Disse que pagava 10, mas acabamos negociando por 30.

— Excelente negócio, vovó!

— É uma belezura, não é?

— Linda!

— Pois ela é sua. Mas com uma condição!

— Que condição, vovó?

— Escreva uma história sobre ela.

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