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Um mundo infinito

Orlando não queria mais a minhoca na ponta do anzol

Publicado

Autor/Imagem:
Eduardo Martínez - Foto Irene Araújo

Não se sabe se enlouqueceu quando desejou desistir daquela vida e buscar obscuras trilhas ou, então, loucos eram os demais, que preferiam continuar na mesmice, talvez porque não percebessem que aquilo era engodo que nem minhoca na ponta do anzol.

— Você está bem, Orlando?

Nem mesmo um mísero “Hum?”. O sujeito parecia alheio a tudo e a todos, como se sua mente estivesse absorta. Que lugar estranho era aquele, onde pensamentos são livres? Aquilo era aceitável?

— Orlando. Orlando! Você está me ouvindo?

— Ih, acho que ele pirou de vez.

— Sabe o que aconteceu com ele?

— Acho que foi porque ficou trancado numa biblioteca no final de semana.

— Sério?

— Seriíssimo!

— Coitado. Será que viu fantasma?

— Pior.

— Pior?

— Livros.

— Livros?

— Sim, livros.

— Nossa! Coitado.

— Pois é. É de dar dor.

— Será que tem cura?

— Segundo ouvi, é caso perdido.

— Ih, coitadinho!

— E já prenderam o culpado?

— Parece que foi caso pensado.

— Pensado?

— Sim, ele se escondeu atrás das estantes com aqueles livros todos.

— E ninguém viu?

— Só na segunda-feira, quando abriram a biblioteca. O pobre coitado estava fascinado por um volume de um tal… Como é mesmo o nome?

— Sei lá! Tá me estranhando?

— Claro que não! Sei bem que a sua índole é honesta. Mas era alguma ferramenta.

— Ferramenta?

— Sim, o nome do culpado.

— Bom sujeito é que não pode ser, meu amigo.

— É verdade! Ah, me lembrei!

— Lembrou?

— Sim! O tal autor do livro.

— E quem é esse criminoso?

— Machado.

— Machado?

— Machado!

— Eita! Nunca ouvi falar.

— Nem eu.

— Tem certeza de que era mesmo esse o nome, meu amigo?

— Sim. Achei engraçado.

— Engraçado?

— É que o sujeito também tinha um nome de mulher.

— De mulher?

— Sim. Maria.

— Maria?

— Ah, então, era uma mulher.

— Não.

— Não?

— Não!

— E como é que isso é possível?

— É que o bandido se chamava Joaquim Maria Machado de Assis.

— Com um nome desses, sujeito direito é que não pode ser.

— Pois é. Pobre Orlando.

— Pobrezinho.

Sorriso desajustado no rosto, Orlando foi carregado por trogloditas, que, inutilmente, tentaram fazer com que ele largasse aquele livro. Nem capitulou. Bendito livro, por sinal!

……………………

Eduardo Martínez é autor do livro ’57 Contos e Crônicas por um Autor Muito Velho’ (Vencedor do Prêmio Literário Clarice Lispector – 2025 na categoria livro de contos).

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