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Nem Freud explica

Ações de Aras na PGR deixam Bolsonaro (ainda) quase impune

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Wenceslau Araújo - Foto Marcelo Camargo

Associados ao orçamento secreto e ao tresloucado gesto do ex-quase futuro mártir Roberto Jefferson, as mentiras espalhadas via redes sociais, a invasão de igrejas, os xingamentos a adversários, ameaças a padres, a compra explícita de votos e o esforço exacerbado de governadores na tarefa de transferir votos ainda não se transformaram em vantagem para o candidato Jair Bolsonaro. Ao contrário. A três dias do segundo turno da eleição presidencial, Luiz Inácio mantém uma dianteira relativamente folgada. São cinco pontos percentuais à frente, o que não quer dizer vitória garantida. Isto porque as articulações extra campo, ou seja, fora das quatro linhas, não cessam e dificilmente cessarão. No caso de vitória do petismo, elas talvez durem os próximos quatro anos. É aquela história de que, enquanto os vencedores comemoram, os derrotados se justificam.

E, às vezes, as justificativas são desmedidas, sujas e nem sempre eficazes. Além de Roberto Jefferson, posso citar uma recente iniciativa do procurador-geral da República, Augusto Aras, que tentou suspender no STF uma norma da Justiça Eleitoral contra as fake news. Após algumas semanas de estratégico recolhimento, ele, o encostador-geral da República, voltou à ribalta. E voltou com a metralhadora giratória carregada de argumentos contraditórios contra os que teimam em atravessar o caminho do mestre (dele) Jair Messias Bolsonaro. A verdade é que a atuação de Aras à frente do Ministério Público da União tem deixado de cabelo em pé os principais comediantes da vida pública. Os da vida privada não sabem mais onde enfiar a cara e preferiram sair de cena, com vergonha das explicações de um chefe que não se valoriza.

Mais relevante é a sombra que ele faz ao túmulo do similar Geraldo Brindeiro, o maior engavetador-geral que o Brasil já conheceu. Escolhido a dedo pelo presidente, desde sua posse Augusto Aras imagina o Brasil como um simples borrão. Dedica-se de corpo e alma à família do mandatário e, agora, ao candidato Bolsonaro. Embora receba do Erário, parece trabalhar exclusivamente para os “moradores” fixos e itinerantes dos palácios do Planalto e da Alvorada. O país já tem opinião formada a respeito dele. Gostaria muito de saber o que pensam seus pais, sua mulher e seus filhos sobre o que ele produz para o país, em especial para o presidente. O caso das fakes news é emblemático. Por isso, o Supremo Tribunal Federal não deu a menor bola para o extemporâneo e maledeto pedido. Nove dos 11 ministros votaram contra.

Na petição, ficou claro que o procurador tem agido como advogado-geral do presidente. Juntos, ambos parecem um baião de dois. Tentar liberar as fakes a poucos dias da eleição é a prova de que boa parte de suas manifestações são para beneficiar o presidente Bolsonaro. Vale registrar que, atuando sempre em mão única, Aras não moveu uma palha para conter a avalanche de mentiras nas redes sociais, a maioria esmagadora contra a campanha do ex-presidente Lula da Silva. Em outras palavras, tenho a impressão de que Augusto Aras é um procurador que não procura. Quando o faz, só acha ruim o que eventualmente é desfavorável ao mito. Ou seja, fica quieto quando não deve e se manifesta também quando não deve.

Independentemente da decisão do STF, é óbvio que os governistas e seguidores do bolsonarismo querem liberar geral. Depois da proposta de criminalizar os institutos de pesquisa, agora trabalham para que as mentiras tenham uma via de mão única: a deles, é claro. De triste lembrança para quem conhece pelo menos o entorno da Procuradoria-Geral da República, a gestão de Augusto Aras ainda não acabou, mas já é passado, tamanha a forma como se rendeu aos “encantos” do tio (ou pai) Jair Messias Bolsonaro. Triste não fosse trágico, em quase três anos de “mandato”, o chefe do Ministério Público da União não formalizou – e não permitiu a formalização – de nenhuma denúncia contra o presidente da República. Fez pior. Sob seu comando, a PGR já arquivou 104 pedidos de investigação contra o “chefe” superior. Conforme levantamento do UOL, entre as decisões favoráveis ao ‘mito’ estão manifestações contra o avanço de sete apurações pedidas pela CPI da Covid.

Correta para alguns, a gestão do atual PGR só não é mais subserviente do que foi a do falecido Geraldo Brindeiro, durante governo de Fernando Henrique Cardoso. Estamos na contramão do mundo, mas os defensores de Aras – os mesmos de Bolsonaro – avaliam o Brasil como uma nação de ficção. Para eles, o país em que vivem tem inflação próxima de zero, o PIB está nas alturas e o desemprego registra a menor taxa das últimas décadas. Por isso, eles não viram sentido na proposta da Justiça Eleitoral de furar a bolha da mentira. Triste, mas verdadeiro, o alinhamento de Augusto Aras e de seu braço direito, Lindôra Araújo, são, conforme avaliação do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), de cabos eleitorais do principal inquilino do Palácio do Planalto. Não sei se por questões realmente técnicas ou por pura afinidade ideológica, ambos se acostumaram a pedir arquivamentos antes mesmo da abertura dos inquéritos.

Portanto, é lamentável, mas o senador tem razão. Por esse motivo, no auge da CPI da Covid, membros da comissão até tentaram o impeachment do procurador. Recuaram porque descobriram a tempo que, ruim com Aras, pior com Lindôra. Uma pena tudo isso, mas o fato é que, criado em 1951, por meio da Lei Federal 1.341, e adquirindo novas atribuições a partir da Constituição de 1988, o Ministério Público da União, também conhecido por PGR, não tem feito jus ao nome. Zelar pela observância e pelo cumprimento da lei, defender os interesses sociais e individuais indisponíveis, investigar crimes, pedir a instauração de inquéritos policiais e responsabilizar culpados, entre outras possibilidades de atuação, deixaram de ser prioridades. Ainda voltaremos a ter dias melhores. Quando eles chegarem talvez concluam que o Brasil procurou, procurou, mas nada achou na Procuradoria de Augusto Aras. Inquestionável que a inação do doutor Aras é fator determinante para a impunidade absoluta de Bolsonaro até aqui.

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