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Troco da troça

Aposta no golpe põe empresários ditos bolsonaristas no divã da PF

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Autor/Imagem:
Wenceslau Araújo - Foto de Arquivo

Embora gere variados e questionáveis significados, o ditado melhor do Brasil é que o brasileiro deve ser entendido nos dias atuais como uma expressão cada vez mais autoaplicável. Inspirado na obra de Câmara Cascudo, a frase simboliza um movimento de 2004, quando, a pedido de uma associação de anunciantes, uma agência produziu uma campanha publicitária com o objetivo de resgatar a autoestima do povo. A ideia era inspirar e motivar toda a sociedade civil, os empresários, a mídia e os políticos a desenvolverem esforço no sentido de levantar a moral dos cidadãos. Os exemplos mostrados eram de persistência, criatividade e superação.

Passados quase 20 anos, o gentílico brasileiro volta a ser idolatrado pelos potenciais candidatos à Presidência da República e por parte do empresariado, segmento que, a meu ver, jamais deveria se envolver com quaisquer postulantes a cargos eletivos, particularmente o de presidente. Como ocorre com todas as boas e más famílias, os ventos nem sempre sopram na mesma direção. Quero dizer que, de repente, a ventania chega sem avisar, balança as bases do empreendimento, avaria a estrutura do negócio e acaba obrigando o empreendedor a perceber que prescindir de clientela com base no perfil ideológico é suicídio.

Partindo desse pressuposto do qual ninguém está imune, forçosamente sou induzido a um novo provérbio popular. É um daqueles que transmitem conhecimento ou algum tipo de rancor de geração em geração, isto é, são passados de pais para filhos. O pau que dá em Chico também dá em Francisco é um desses. Supostamente criada em mesas de botequins, a locução faz alusão a ideia de que “Chico” é uma pessoa qualquer, sem posição relevante, enquanto “Francisco” é uma pessoa relevante, com posição de destaque. Em verdade, trata-se da exteriorização de um silencioso sentimento. A síntese é simples: para aos amigos tudo, para aos inimigos a lei.

Por analogia, na política o termo pode ser avaliado de outra forma: votem em mim, mas fiquem longe. Simbolicamente, lembra a estratégia de Luiz Inácio e de Jair Messias. Na polarização, está claro que, para ser eleito, um precisará tirar votos do outro. Foi assim em 2018, quando Bolsonaro só logrou êxito (terminologia usada por militares que ainda não foram adequadamente apresentados ao Aurélio) porque conseguiu centenas de milhares de votos dos chamados antipetistas e dos eleitores supostamente decepcionados com o comandante do PT. O bom dessa história é que o tempo, além de voraz escultor de ruínas, é um defeito que o próprio tempo corrige. Pelo andar da carruagem, mais especificamente pelos números das pesquisas de intenção de votos, tudo indica que haverá a devida correção.

Quanto aos empresários que, em nome da moralidade (?) anunciada por Bolsonaro, insistem em publicamente debochar do concorrente político, consequentemente de seus eleitores, o risco de ter de enfrentar futuras tormentas é grande. É o tal do pau que dá em Chico. Do mesmo modo que locutores, comentaristas e repórteres raramente declinam a preferência por esse ou aquele clube, o empresariado deveria fazer o mesmo. A regra é clara, mas nem sempre é seguida. Assim como ocorre no esporte, conhecemos numerosos representantes do empresariado absolutamente desprovido de tutano. Achando que Lula e o PT estavam mortos e enterrados, a turma do din din (nem tanto) apostou todas as fichas na perpetuação de Bolsonaro e, ao mesmo tempo, no golpismo sonhado pelos bolsonaristas. Se deram mal e acabaram no divã da Polícia Federal.

É o caso dos donos da Havan, Riachuelo, Localiza, Mundo Verde, Multiplan, Mormaii, Polishop, Centauro, Smart Fit, Bio Ritmo, Barra World Shopping, Habib’s, Coco Bambu e Madero, entre outras empresas. O despudor em divulgar os nomes é proporcional ao ódio destilado por esses empresários durante e após a campanha vitoriosa de 2018. E agora, Josés? Acho que um mal feito não deve ser quitado com um feito ainda pior. Por isso, não torço pelo troco dos que sofreram com os deboches. Todavia, é bom lembrar que o Deus deles (hoje mais nosso) não dorme. Daí, surge um novo aforismo popular que não devemos esquecer: Aqui se faz, aqui se paga. Tenho dito. O resto é com a Polícia Federal. Aliás, li no José Simão que, nos últimos dias, o Coco Bambu tem servido apenas PF. É o troco da troça.

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