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Caso Marielle

Assassinato de Adriano vai dar muito o que falar

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Autor/Imagem:
Maria Teresa Cruz/Ponte Jornalismo - Via Diálogos do Sul

Uma das principais testemunhas que poderiam fazer chegar ao mandante do assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ), em março de 2018, e sua respectiva motivação foi assassinado no domingo (9) em Esplanada, interior da Bahia: o ex-PM Adriano Magalhães da Nóbrega, que integrava a milícia que opera na zona oeste do Rio de Janeiro e estava foragido desde 22 de janeiro do ano passado. Adriano também tinha ligações com o filho do presidente Jair Bolsonaro.

A avaliação é do sociólogo José Claudio Souza Alves, professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro e autor do livro “Dos Barões ao Extermínio: Uma História da Violência na Baixada Fluminense”. “Ele era uma peça chave da investigação da morte da Marielle. Era o maior arquivo vivo que se tinha sobre o caso”, afirma.

Ao jornal O Globo, o advogado de Adriano, Paulo Emílio Catta Preta, também afirmou que foi queima de arquivo. “Ele me disse assim: ‘doutor, ninguém está aqui para me prender. Eles querem me matar. Se me prenderem, vão matar na prisão’. Palavras dele”, afirmou o criminalista, segundo a publicação.

Na versão da Polícia Civil da Bahia, que realizou a operação contando com informações das autoridades do Rio de Janeiro, Adriano foi morto em troca de tiros. “Como é que você, depois de um ano de trabalho de inteligência, com investimento, termina por matar uma testemunha chave que estava em uma área rural, sozinho? Não estava em uma favela ou em Rio das Pedras, nem em um bunker com bandidos”, questiona.

Para José Cláudio, a história de que Adriano não teria ligação direta com a morte da ex-vereadora é uma suposição levantada pela imprensa e por parte da equipe de investigação no início da apuração. “Não é conclusivo. Se ele era o líder do Escritório do Crime, que é o braço de execução sumária da milícia de Rio das Pedras. No meu entendimento, ele tem relações diretas, sim. Assim como seria o grande elo com a família Bolsonaro”, analisa.

Adriano, que foi capitão do Bope, a tropa de elite e mais letal da PM do RJ, antes de ser expulso da Polícia Militar do Rio de Janeiro, foi apresentado por Fabrício Queiroz ao agora senador Flávio Bolsonaro (sem partido), quando ele ainda era deputado estadual. Quando ainda era deputado estadual, Flávio empregou a mãe e a esposa do miliciano em seu gabinete.

Esconderijo do PSL
Nesta segunda-feira (10), a imprensa noticiou que o dono do sítio onde o miliciano foi morto é o vereador Gilsinho da Dedé, do PSL, partido que elegeu o presidente Jair Bolsonaro. Ao jornal O Estado de S.Paulo, o político afirma nunca ter visto Adriano. José Cláudio Souza Alves considera que o episódio demonstra um projeto de poder da extrema-direita que envolve diversos grupos, no âmbito federal, estadual e municipal.

“Pouco importa se Bolsonaro não está mais no PSL. Havia vínculo político deste cara [Gilsinho da Dedé] com essa estrutura partidária. Como ele diz que não sabia quem era a pessoa? É estapafúrdio. Uma rede de proteção pode ter sido montada para o Magalhães e ele acaba sendo morto nessa rede de proteção. Não é algo fortuito: um político vinculado ao partido que foi do presidente da República. E agora, saber exatamente o que aconteceu, vai depender da investigação da mesma polícia que comandou a ação. A meu ver, há um conjunto de pessoas envolvidas que fazem parte de um projeto político nacional. Eles querem se projetar agora em 2020″, avalia.

Alves critica o fato de que o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, jamais citou Adriano Magalhães da Nóbrega como uma das pessoas mais procuradas do país. “Foi ocultado pela própria estrutura do judiciário nacional. Virou uma carta fora do baralho. Qual testemunha que nós temos agora?”, questiona.

Impactos na milícia
Com relação a um possível impacto da morte de Adriano para a estrutura da milícia na zona oeste do Rio de Janeiro, José Cláudio Souza Alves pontua que, desde a operação que prendeu o ex-PM e mais de dez outros milicianos, no início do ano passado, o grupo sofreu um impacto razoável. Contudo, assim como facções criminosas, as milícias normalmente se recompõem com alguma facilidade.

“Ela só vai desaparecer se você tirar o braço político e econômico. O caso da Muzema é a expressão da continuação dos negócios imobiliários da rede naquela região”, pontua. Alves se refere a investigação do Ministério Público do Rio de Janeiro que apura uso de verbas parlamentares em investimentos no mercado ilegal de venda de imóveis em Rio das Pedras, Gardênia Azul e Muzema.

“Esse é um dos pontos centrais do assassinato da Marielle e agora, com a morte do miliciano, está obstruído. Fecharam o caixão e colocaram a gente dentro”, critica o sociólogo.

Acordo fortalece os milicianos
José Cláudio afirma que a estrutura das milícias está mais vigorosa do que nunca e que já há acordo entre milicianos e o TCP (Terceiro Comando Puro). “A zona oeste do Rio toda está fechada com eles. Tirando o Comando Vermelho na Cidade de Deus, que está encurralado.

Além disso, tem a Baixada Fluminense, onde funciona um dos maiores esquemas eleitorais que é nomear pessoas para cuidar de contratações. Tenho a informação de que os milicianos estão acessando essa rede e indicando nomes. Um dos importantes nomes da Baixada ligado à milícia, que é o Jura, que está preso, mas foi nomeado pela prefeitura de Belford Roxo para ocupar cargo. Em ano eleitoral, ocupar cargos na prefeitura é determinante, define apoio”, pontua.

Anistia Internacional
A Anistia Internacional publicou uma nota sobre o caso em que pede apuração rigorosa e transparência, sobretudo sobre a suposta relação com a morte de Marielle Franco.

“As informações que circulam, assim como os intensos vazamentos ocorridos especialmente a partir de outubro do ano passado, apenas enviam um recado: de que as autoridades estão presas num labirinto de dúvidas, e não conseguem sair. Os acontecimentos relacionados às investigações suscitam mais perguntas do que respostas, o que é muito grave”, pontuou a entidade.

Outro lado
A reportagem procurou, mais uma vez, a Secretaria de Segurança Pública da Bahia para saber do rumo das investigações, além de solicitar uma entrevista com Maurício Barbosa, chefe da pasta, mas até o fechamento da publicação, não houve retorno.

O presidente Jair Bolsonaro e seu filho, senador Flávio Bolsonaro, que têm por costume usar as redes sociais como forma de se comunicar com a população, não se manifestaram publicamente sobre o episódio até o momento.

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