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Troca de comando

Bebianno está saindo por quê? A grana do PSL foi mesmo pouca?

Publicado

Autor/Imagem:
Marc Arnoldi

Em vários aspectos, a campanha de Jair Bolsonaro para chegar à Presidência será um marco na história eleitoral do Brasil, em particular do ponto de vista financeiro. Com a proibição das doações de empresas, já se sabia que os custos seriam muito inferiores às centenas de milhões de reais gastas até 2014.

Mas chegar ao Planalto gastando R$ 2,5 milhões ainda parece surreal. Ainda mais quando comparado com seu adversário de segundo turno, Fernando Haddad, que teve que gastar R$ 37,5 milhões, aos quais devem ser somados os R$ 19,8 milhões engajados quando o candidato ainda era Lula.

A diferença é gritante, mas tem explicações: com parcos segundos na mídia eletrônica no primeiro turno, o candidato do PSL não teve o gasto maior de todos: produção de televisão. O atentado que sofreu o tirou das ruas, e consequentemente o impediu de gastar viajando, organizando e participando de comícios.

Outro fato inesperado: as doações de militantes via vaquinha virtual foram extraordinárias, chegando a R$ 3,7 milhões, ou seja, 85% da receita total de R$ 4,4 milhões. Por isso, a campanha foi superavitária, enquanto Fernando Haddad ainda teve que acionar o PT a se comprometer para saldar sua fatura: faltaram R$ 3,8 milhões.

As contas do então futuro presidente foram aprovadas, com ressalvas em razão de irregularidades técnicas relativas a 1,52% da movimentação. Os técnicos do Tribunal Superior Eleitoral analisam as prestações de contas sob o ângulo contábil e jurídico, verificando a regularidade dos documentos e a legalidade das operações. Como o nome indica, as eventuais operações “não contabilizadas”, consequentemente, não estão ao alcance dos especialistas.

Então como o assunto “contas de campanha” criou a nova crise no Planalto? Por ingenuidade e por indecisão. Gustavo Bebianno era presidente do PSL em 2018. Articulador da campanha de Bolsonaro, foi ele que negociou com Luciano Bivar, fundador do partido, a vinda do grupo. Não foi fácil, porque a quase totalidade dos analistas da vida política, à época, previam uma “desidratação” do candidato quando as duas grandes máquinas eleitorais (PT e PSDB) se colocassem em movimento. Alguns partidos (que iam se arrepender depois) olhavam torto ou com desprezo para um deputado d baixo clero que tinha por único capital uma legião de excitados que faziam festa a cada viagem dele pelo Brasil.

A ingenuidade do Planalto foi achar que uma notícia a respeito de distribuição de fundos partidário e eleitoral podia passar em brancas nuvens. O exemplo do relatório do COAF, que detectou movimentos financeiros atípicos em contas de assessores de deputados da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, não serviu de lição. O foco, que continua agitando a oposição (que está plenamente exercendo seu direito) passou exclusivamente a ser o motorista de Flávio Bolsonaro, Fabrício Queiroz, seu milhão de reais entrando em sua conta e saindo até mesmo para a primeira-dama. As outras “surpresinhas” do relatório, que aponta transações estranhas em contas de 70 assessores de 22 parlamentares, sumiram do radar. Até mesmo os quatro colaboradores de um deputado do PT que, juntos, movimentaram R$ 49 milhões no mesmo período.

O caso atual não é diferente. E nem provém de qualquer órgão judiciário ou de fiscalização. Apareceu na imprensa. Analisando contas de candidatos e sobretudo de candidatas, a Folha de São Paulo mostrou que há casos estranhos. O dinheiro dos fundos (aprovisionados com dinheiro público, os dois, o partidário e o especial eleitoral somam R$ 2,5 bilhões) foi distribuído para candidatas que tiveram votação pífia. O TSE tendo determinado que no mínimo 30% dos recursos (bem como o tempo de TV) tinham que ser destinados a aumentar a presença feminina nas campanhas, há indícios que algumas dessas foram candidaturas “laranjas”, e que o dinheiro serviu até para bancar disfarçadamente candidatos homens com maiores chances.

Por enquanto, a palavra está com o Ministério Público. E a polícia. É preciso investigar se se trata de uma “esperteza” por parte dos partidos, ou se houve mesmo fraude. E, como no caso do COAF, o caso do PSL é só um no meio de outros. A matéria da Folha listou 49 candidatas que receberam acima de R$ 100 mil dos fundos, e tiveram votação diminuta. São 14 partidos envolvidos e os que têm mais suspeitas são MDB, PR, PRB e PSD. Sem esquecer o Pros, no qual candidatas receberam dinheiro… do PT. Há fortes indícios de desvio de dinheiro público, mas ainda é cedo para acusar e apontar os responsáveis.

O segundo e mais grave pecado do Planalto nesta crise desnecessária é a indecisão. Em nosso mundo em mutação, onde Estados Unidos, China e Rússia estão jogando uma nova rodada de pôquer com direito a blefes e golpes na mesa, o Brasil não pode se permitir o direito de ter uma liderança hesitante e incapaz de resolver rapidamente assuntos menores, quando há outros, muito superiores, em jogo. O tratamento do caso Bebianno foi um passo em falso. Não é o primeiro. E ninguém garante que tenha sido o último.

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