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Tratamento de choque

Bizarrice brasileira vira piada no plenário da ONU

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Autor/Imagem:
Wenceslau Araújo - Foto de Arquivo

Excentricidades, exotismos, bizarrices ou estultices são comportamentos patéticos e aceitáveis em família, no máximo dentro da própria casa. Na casa dos outros é a mais pura demonstração de desrespeito a si próprio, ao cargo que ocupa e, sobretudo, ao povo que representa. Na melhor das hipóteses, é trágico imaginar um mandatário ser tratado como chefe de uma republiqueta de bananas podres. Pior é vê-lo, ao lado de de coitados e “sorridentes” ministros e assessores, esculhambando o país que governa e sendo esculhambado pública e solenemente por absoluta falta de postura. Comer pizza nos meios fios de Nova York é para mochileiros, aventureiros ou largadões. Jamais para o presidente de uma nação de 213,3 milhões de habitantes, integrante do seleto grupo do G20 e, sabe-se lá até quando, considerada a oitava potência econômica do planeta.

Se a ideia era envergonhar o povo brasileiro, conseguiram. É o retrato mais fiel do Brasil de hoje. Não pode ter sido sério. É uma brincadeira de péssimo gosto sermos representados na Organização das Nações Unidas por um líder de modos pavorosos, sem porte, pose, atitude ou presença. Um verdadeiro mito de araque. E lembrar que os defensores desse dirigente que se acha maioral se referem a FHC como “almofadinha”, a Lula como “o sem dedo” e “ladrão” e a Dilma como “tonta” e “fora de órbita”. Não concordo, mas respeito as adjetivações. E o que dizer de um governante imaginário? Melhor não dizer. A resposta é a história. Desde a redemocratização do país, em 1985, o Brasil já foi representado na abertura da Assembleia-Geral da ONU por sete dos oito presidentes eleitos. Apenas Itamar Franco, que governou de 1992 a 1995, não discursou. Preferiu passar o bastão para o chanceler.

Vale lembrar que a fala de presidentes nesse plenário é uma grande oportunidade para uma nação vender ao mundo suas prioridades internas e externas, as credenciais para assumir posições de protagonismo internacional e se defender de ataques, se estiver no centro de alguma polêmica. De Fernando Collor a Michel Temer, passando por Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, é clara a evolução brasileira. Como primeiro dirigente pós-redemocratização, Collor assumiu a missão de passar a imagem de um Brasil comprometido a se adequar às exigências internacionais em direitos humanos e de não-proliferação de armas nucleares. Conforme a professora Mariana Kalil, foi aplaudido de pé.

No governo de FHC, o discurso serviu para mostrar que o Brasil tinha credenciais necessárias para assumir papel de liderança internacional, consequentemente uma cadeira permanente no Conselho de Segurança da entidade. Segundo Mariana Kalil, no governo Lula o Brasil começa a tornar prática a ampliação da participação nacional em organismos internacionais, entre eles o Conselho de Segurança e a Organização Mundial do Comércio (OMC). Em seus pronunciamentos, Lula mostrou o Brasil como exemplo de desenvolvimento social, lembrando a adoção de programas de transferência de renda. O ex-presidente petista vinculou a criação de programas sociais, como Fome Zero, Minha Casa, Minha Vida e Bolsa Família, às credenciais necessárias para garantir o assento definitivo no Conselho de Segurança.

Em 2013, Dilma Rousseff fez um discurso duro, criticando ações de espionagem dos Estados Unidos a governos estrangeiros, incluindo o do Brasil. Em resposta, ela cancelou uma visita que faria ao então presidente Barack Obama e, na ONU, afirmou que “ações ilegais” são “inadmissíveis”. Dilma também virou meme, mas estava certa, quando, durante uma coletiva, falou sobre a possibilidade de se estocar vento. Ao abrir a 71ª. Assembleia-Gefal da ONU, Michel Temer, certo ou não, aproveitou o importante plenário para defender a legitimidade do impeachment de Dilma. No ano seguinte, com dados imprecisos, afirmou que o Brasil havia reduzido em 20% o desmatamento da Amazônia. As merecidas críticas chegaram de todos os lados. Comum a todos os presidentes foi a exigência de maior responsabilidade dos países mais desenvolvidos no controle de gases poluentes. Em síntese, todos tinham o que dizer em defesa do país.

Tudo começou a mudar quando, de forma enfática, Bolsonaro decidiu propor a abertura de reservas indígenas para mineração, a redução de multas ambientais e a ampliação da produção agrícola na Floresta Amazônica. Era o início de nosso calvário junto à comunidade internacional. Em 2019, o Brasil disse à ONU que não houve golpe em 1964 e que, na verdade, os militares afastaram ameaças comunista e terrorista. Obviamente a afirmação virou piada. Contabilizados mais de 590 mil mortos pela Covid-19, o presidente brasileiro mostra ao mundo seu lado mais primitivo.

Disse que não tomou, não tomará e tem raiva de quem usou o imunizante. Acabou proibido de entrar em um restaurante de Nova York. Hoje (21), chamando a imprensa de mentirosa, insistiu na defesa do tratamento ineficaz contra a doença, divulgou informações falsas sobre o combate ao desmatamento na Amazônia e enalteceu as manifestações golpistas de 7 de setembro. Fora de sintonia, perdeu o bonde do mundo e está a um passo de levar o Brasil para um buraco sem fim. Parece que a única solução é tratamento de choque.

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