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Enroscado com Centrão

Bolsonaro tenta se salvar batendo na porta do Céu

Publicado

Autor/Imagem:
Wenceslau Araújo*

A sequência de derrotas políticas e judiciais do presidente Jair Bolsonaro ao longo da semana serviu de recado para a nação que torce pela continuação do governo com alguma credibilidade. A principal delas, a criação da CPI da Covid-19, foi um daqueles golpes de misericórdia em um lutador despreparado e nas cordas desde o segundo round. O cenário rabiscado pelo Supremo Tribunal Federal e pintado em cores vivas pelo Senado Federal é absolutamente desfavorável ao presidente da República. O metafórico barril de pólvoras lançado pelo capitão junto com apoiadores deverá explodir – se realmente explodir – no Palácio do Planalto. Sem combinar com os russos, Bolsonaro esticou demais a corda e acabou perdendo o atalho que, na avaliação de meados de 2019, o levaria facilmente à reeleição em 2022.

Um ano e meio depois de caminhadas malsucedidas, apostas atabalhoadas, teorias da conspiração que não se cumpriram e de uma pandemia que, mesmo minimizada, gerou depósitos macabros em sua conta política – algo como 13,6 milhões de infectados e quase 360 mil mortos -, o capitão e sua administração estão totalmente fora de controle. Perdido no tempo e no espaço, o momento, como para qualquer mortal, é de recorrer às alturas em busca de apoio de todos os santos, orixás e até de Judas. E não importa se esses chamados seres de luz têm ou não a simpatia do rebanho. O que interessa é o apoio, ainda que ele seja apenas da boca para fora, isto é, sem nada de puro ou verdadeiro, somente interesseiro.

A cena certamente precisará ser gravada numerosas vezes. Entretanto, o que deve ir ao ar, a tendência para depois de amanhã, é que o mandatário seja obrigado a aceitar a corte do bloco de partidos sem orientação ideológica alguma. E não há dúvida de que a perfeição dessa relação requer um pedido de união estável, incluindo cláusula de comunhão total de bens. Ou seja, é toma lá, dá cá ou se vire com o que tem. Golpe certeiro nas partes baixas do ideólogo reprodutor Olavo de Carvalho e na verborragia musical do general Heleno, principal opositor do grupo antes da vitória bolsonarista em 2018, cair nos braços dos centristas é o mesmo que assinar um atestado de incompetência ou requerer revogação de todas as promessas registradas em cartório.

Ao aceitar o enrosco com o Centrão, ajuntamento ao qual já pertenceu e do qual jamais se livrou, o presidente da República sabia antecipadamente de todos os possíveis riscos. Se achou um dia que teria carreatas de bônus, acabou num elevador de ônus, com contas que descem e sobem sem parar. Fisiológico e normalmente preocupado com o que vai sobrar de postos de comando e de verbas para fastio de seus integrantes, o bloco partidário tem raiva de que apresenta boletos sobre mazelas e não se contenta com pouco. Quer mais e mais, muito mais. Infelizmente, tudo isso faz parte do jogo político brasileiro. Nas últimas décadas, tornou-se impossível para um chefe de governo ter vontade própria ou a governança que almeja longe do grupo.

Ficar distante ou não abrir concessões (muitas concessões) pode ser fatal. É sinônimo de perder apoio, sustentação, poder e até o governo. Luiz Inácio, Dilma Rousseff e, principalmente, Michel Temer que o digam. No inverso da moeda, Temer foi o único beneficiário da aproximação com o Centrão. Usando o ex-todo-poderoso deputado federal Eduardo Cunha, se escondeu, chorou, articulou e, sem entrar no mérito, protagonizou o expurgo de Dilma Rousseff do Palácio do Planalto, episódio que boa parte do Brasil está engolindo agora como “obra literária”. A referência é ao livro Tchau, querida: o diário do impeachment, escrito por Cunha durante o período de recolhimento penitenciário.

Com reputação pouco recomendável entre as famílias políticas de bem e, após esgotar todos os estoques de óleo de peroba, Temer foi além do que nossa vã imaginação. Em recente entrevista a uma rádio paulista ligadíssima ao atual chefe do Executivo federal, ele manifestou-se “radicalmente contra o impedimento do presidente neste momento de pandemia”. Subserviente e com algum lapso de memória, afirmou também que todo impeachment “é traumático”. Sacanagem, senilidade ou necessidade de marcar terreno (talvez tudo isso junto), o fato é que ele esqueceu a forma como ascendeu à Presidência da República.

Considerando que a afeição mútua não é a única determinante de uma relação conjugal, a separação entre Temer e Dilma parece ter sido necessária. Pelo menos para o ex-presidente, que incluiu no currículo um título improvável desde o início da carreira. O problema é que pau que dá em Chico dá em Francisco. Como nem mesmo Jesus consagrou a indissolubilidade absoluta do casamento, Bolsonaro que se cuide com esses carinhos e salamaleques de última hora. Muito mais do que estímulos à invasão de instituições públicas, saques de supermercados, incêndios em ônibus urbanos – as bancas de jornais estão ultrapassadas – passeatas das famílias com Deus pela liberdade, carreatas das elites e fakes pregando a luta armada, o explosivo barril de pólvora anunciado pelo presidente pode ser justamente o apoio desses cuja preocupação com o país não ultrapassa o próprio endereço.

*Wenceslau Araújo é jornalista

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