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Morto-vivo

Bolsonaro vira arremedo ruim de Trump e Maduro

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Autor/Imagem:
Wenceslau Araújo*

Presidente do Brasil há dois anos e dois meses, Jair Messias Bolsonaro precisa ser informado com urgência sobre a data da próxima eleição geral, que ocorrerá somente no fim de 2022, ou seja, em cerca de dois anos. Também seria interessante lembrá-lo da necessidade de descer do palanque e começar a governar. O discurso da vez é atestar como crônica a falta de UTIs nos hospitais públicos do país, inclusive os federais. Ora, se ele admite isso, por que ainda não foi capaz de minimizar a crise, principalmente depois do surgimento e recrudescimento da pandemia? A resposta é simples. Resolver significa perder a narrativa que o levou ao Planalto e que o mantém vivo nas aglomerações que promove junto aos fanáticos seguidores. Vacina para todos? Pode ser, mas provavelmente quando a Justiça Eleitoral oficializar o início da corrida pelos votos presidenciais.

É claro que falar do sucateamento da saúde no Brasil é redundância, é chover no molhado. O problema é assumir compromissos e não saber como realizá-los. Infelizmente, a pandemia tem similaridade com a violência da seca no Nordeste durante as décadas de 70, 80 e parte de 90. Rir da desgraça alheia e prometer soluções impossíveis garantiram a eleição e reeleição de vários profetas da região. É o que faz agora o governo ideológico e aficionado pela economia de panfleto, ou seja, que prefere a verborragia xiita do emprego em detrimento da morte. No segundo pior momento da Covid-19, o presidente, na contramão do mundo, novamente joga para a plateia. Preocupado em agradar meia dúzia de genocidas lunáticos, defende as aglomerações, a abertura total do comércio, o abandono das máscaras e ameaça jogar o pagamento de um novo auxílio emergencial no colo dos governadores que propuserem o lockdown.

O chefe do Executivo federal faz de conta que é o mandatário e tenta tirar o dele da reta. Ele teria evitado tudo isso se tivesse feito sua parte e comprado vacinas suficientes. Isso nos dá oportunidade de, pela enésima vez, lembrar ao presidente da República que, sem a necessária competência, não há razão para se estabelecer. Viúvo de papel passado de Donald Trump, rei da cocada preta, “imbrochável” e craque nos quesitos debochar da ciência, estimular aglomerações, criticar a imprensa e demitir quem lhe faz sombra, o presidente Jair Bolsonaro se superou ao, junto com o filho, o senador Flávio Bolsonaro, atacar governadores. Para quem o acha mito, o pior foi a razão. Com raras exceções, os líderes estaduais decidiram bater de frente com o governo central.

Certos ou errados, trabalham para conter a segunda curva da pandemia, pois já perceberam que o presidente nada fará por absoluta falta de vontade, coragem e, tenham certeza, sapiência. Prefere se esconder em lives vazias de conteúdo, em busca dos gritinhos de apoio das vaquinhas de presépio que um dia descobrirão que o mito não passa de cidadão frustrado nas duas “profissões” que escolheu. Como pode um militar de carreira não passar de tenente? Ele é capitão pós-expulsão, revertida no sufoco pelo Superior Tribunal Militar. Também é questionável a importância de um parlamentar de 28 anos de mandato que jamais compôs a Mesa Diretora ou presidiu uma comissão permanente da Câmara. Como as toupeiras, seus seguidores mais destemidos e violentos preferem não escarafunchar a terra com medo de escancarar o blefe e descortinar de vez a esfarrapada persiana de fumaça negra e odiosa que cobre o Palácio do Planalto e parte da Esplanada dos Ministérios.

Mistura do aiatolá Ruhollah Khomeini – líder político e religioso da Revolução Iraniana de 1979, que depôs Mohammad Reza Pahlavi, naquela altura xá do Irã – com o que há de pior no populismo latino-americano, representado pelo arremedo de ditador Nicolás Maduro, Bolsonaro lidera um governo de mesmices. Quando não está falando mal da imprensa ou abandonando entrevistas para não ter de se comprometer com o que não sabe – ou esconder o que não pode responder -, o presidente está brincando de governar, provocando aglomerações em locais recorrentemente pré-estabelecidas, com acesso exclusivo ao jornalismo oficial ou de lacaios, pagos para escrever e fotografar positivamente. Foi assim no último fim de semana, em Tianguá, onde o capitão reuniu inexpressiva claque para aplaudir o ataque premeditado aos governadores, que, optando pelo controle da Covid-19, decidiram pelo lockdown.

Cidade do interior do Ceará com 68.901 habitantes, Tianguá não pode ser tão vassala a ponto de literalmente parar para receber e bajular um presidente, por melhor que ele seja. E, convenhamos, não é o caso. Previamente armado ou não, com claque ou não, o fato é que o Planalto deliberadamente estimula a aglomeração, nela não exige o uso de máscara e desrespeita as medidas restritivas determinadas pelos governos locais para tentar conter o pior momento da pandemia. Felizmente, o presidente só se amontoa com a meia dúzia de seguidores que, também ignorantes, insistem em apoiar suas aberrações científicas, como a desqualificação da máscara e do distanciamento social como formas seguras de contenção do vírus. Aiatolá ou Nicolás, está cada vez mais claro que o presidente não quer saber de nós. Então, estamos quites, pois também não queremos mais saber dele.

Escrevo no plural para dar voz àqueles que, em várias ocasiões, já demonstraram arrependimento pelo voto em 2018. Melhor, acordaram para a realidade. Sem medo de errar, afirmo que o último pleito geral foi atípico, na medida em que a maioria escolheu quem está aí por absoluta falta de opção. Chamá-lo de aiatolá parece brincadeira, mas não é. Basta associá-lo aos fundamentalistas xiitas que se apossaram da antiga Pérsia. A proposta é a mesma: a perpetuação do comando, embora por aqui a grande diferença esteja entre o querer e o poder. Felizmente, o Brasil é um país de dimensões continentais, de incríveis nuances culturais, de reviravoltas inesperadas e um celeiro de acontecimentos de última hora. Os da vez são os chamamentos do presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL) e do senador Tasso Jeriessati (PSDB-CE).

Lira terá esta semana uma conversa virtual com os governadores para discutir questões da pandemia. Na verdade, é mais um afago parlamentar aos governadores e uma resposta política aos violentos ataques de Bolsonaro às medidas restritivas nos estados. O encontro deve ser lido como a prova de que o Centrão não vai referendar tudo que o governo lhe apresentar. Mais graves foram as mensagens trocadas no sábado (27) no WhatsApp restrito dos 81 senadores. Nos prints, parlamentares do PSDB, MDB, PSD, PT, Cidadania, Rede, PROS, Podemos e Republicanos concordaram com a proposta do senador tucano Tasso Jereissati (CE). Tasso defende a criação de uma CPI para investigar e responsabilizar Bolsonaro por sua atuação durante a pandemia. Como a maioria das CPIs, deve acabar em pizza. Entretanto, pode ser o início do fim da maldição do feitiço que nunca alcança o feiticeiro.

*Wenceslau Araújo é jornalista

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