Curta nossa página


Delegado disse não

Bozo chamou Heleno, que mandou Torres barrar lulistas

Publicado

Autor/Imagem:
José Seabra - Diretor Editor/Foto Valter Campanato

-Tudo bem?!
– Bem, obrigado, diretor!
– Tenho uma nova missão para você.
– …?!
– Vou mandá-lo de volta para o Rio.
– Obrigado pela confiança, chefe. Mas…
– Sem mais nem menos. Confio em você. Isso é o que interessa.

Essa é uma pequena parte de um diálogo, transcrito não necessariamente literalmente, travado entre o novo diretor-geral da Polícia Federal Andrei Passos Rodrigues, e o agora devolvido ao Rio de Janeiro, de novo como superintendente regional, delegado Leandro Almada da Costa.

O convite feito por Andrei para que Almada voltasse a dirigir a Polícia Federal no Rio de Janeiro, revela muita coisa que aconteceu antes e durante o intervalo do primeiro para o segundo turno da eleição presidencial de outubro último. Alguns dos detalhes vieram à tona nesta quarta, 11, durante uma rodada de café entre jornalistas, advogados e autoridades da área da segurança pública.

O mais assustador, foi saber que partiu do presidente fujão Jair Bolsonaro a ordem para barrar caravanas de lulistas que cruzavam rodovias do Nordeste a caminho das urnas.

‘Bozo’ – foi assim, apelido pejorativo de Bolsonaro citado na conversa do café – mandou que o general Augusto Heleno, então chefe do GSI, desse um jeito para que supostos eleitores da chapa Lula-Alckmin não chegassem ao seu destino, ou seja, às seções eleitorais. Ônibus, vans, caminhões com ‘paus de arara’ e até vaqueiros montados em seus cavalos, jegues e jumentos, seriam obrigados a ficar pelo meio do caminho. A ação deveria ser conduzida pela Polícia Federal e Polícia Rodoviária Federal, a partir do Norte de Minas Gerais até o extremo Norte do Maranhão, principalmente nas áreas sertanejas e entorno das grandes capitais.

Ordem dada por ‘Bozo’, missão levada por Heleno a Anderson Torres, então ministro da Justiça e Segurança Pública, a quem estavam subordinadas a PRF e a PF.

A bordo de um HS da Força Aérea Brasileira, Anderson Torres partiu para cumprir as determinações de Augusto Heleno, que as recebeu de Bolsonaro. Os tanques de combustível do jatinho da FAB foram abastecidos seis ou oito vezes. Afinal, foram necessários nove pousos e igual número de decolagens.

Partindo de Brasília, o ex-ministro da Justiça de ‘Bozo’ desceu, rápida e sucessivamente, em Salvador, Aracaju, Maceió, Recife, João Pessoa, Natal, Fortaleza, São Luiz e Teresina. Encontros apressados e fortuitos, na maioria das vezes nos hangares das bases aéreas dessas capitais. Nas conversas, uma ordem direta aos chefes estaduais da PRF e PF: eleitores de Lula não poderiam chegar à cabine de votação. O resto não precisa lembrar. Milhares de eleitores foram barrados no meio o caminho, com um recorde de abstenção.

Mas nem por isso Lula deixou de sagrar-se vencedor do pleito, sendo declarado presidente eleito, diplomado presidente e finalmente empossado no cargo de chefe do Executivo brasileiro.

Porém, como nem todo servidor público aceita ser levado a rédeas curtas, houve quem, respeitador da lei e do direito constitucional de ir e vir, descumprisse a ordem. Um desses personagens é Cláudio Almada.

O delegado nunca foi de cumprir ordens absurdas. Por se recusar a levar em ‘banho-maria’ as investigações que ele conduzia no Rio sobre a morte de Marielle Franco, supostos atos pouco republicanos do governador bolsonarista reeleito Cláudio Castro e até as ‘rachadinhas’ de Flávio Bolsonaro, Almada foi exonerado do cargo de superintendente da PF no Rio e mandado para a Bahia.

Como vai precisar de gente séria ao seu lado, o diretor-geral Andrei começou a buscar, na ponta do dedo, pessoas da sua confiança. Foi então que surgiu o diálogo transcrito lá em cima.

Almada contou a Andrei que talvez não pudesse assumir o cargo que ocupava anteriormente, uma vez que, ao desobedecer as ordens de Anderson Torres, poderia ter sido alvo de uma suposta sindicância (algo do tipo investigação interna para identificar possível ato ilícito) ou mesmo um PAD-Processo Administrativo Disciplinar. Tudo consequência da decisão de agir como um representante da lei, e não como um desses muitos bolsonaristas doentios que obedecem determinações como quem usa antolhos.

Andrei relevou tudo isso. E Almada foi renomeado na terça-feira, 10, o homem-forte da Polícia Federal na ‘Cidade Maravilhosa’. Há quem diga que, por isso, o Rio ‘amanheceu sorrindo’.

A ordem estapafúrdia dada por ‘Bozo’ a Heleno e transmitida ao ex-ministro da Justiça do presidente fujão, agora revelada, terá graves consequências. É mais um prato cheio nas mãos de Alexandre de Moraes, o ‘Xerifão’ que, no âmbito do Judiciário, está passando o País a limpo.

Quando chegar ao Brasil, algemado já nos Estados Unidos, ou receber as algemas nos pulsos ao desembarcar em solo brasileiro, Anderson Torres terá duas alternativas: contar toda a verdade ou preservar os antigos chefes. Se ele fizer a opção de assumir sozinho toda a responsabilidade, terá a pena triplicada. Serão tantos na cadeia como quem é condenado a prisão perpétua. Nesse caso, seu último suspiro será vendo o Sol nascer quadrado.

Publicidade
Publicidade

Copyright ® 1999-2024 Notibras. Nosso conteúdo jornalístico é complementado pelos serviços da Agência Brasil, Agência Brasília, Agência Distrital, Agência Estadão, Agência UnB, assessorias de imprensa e colaboradores independentes.