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E agora, José?

Braços dados ou não, ainda seremos a pátria de todos

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Autor/Imagem:
Wenceslau Araújo - Foto de Arquivo

Ando cismado com o tempo. Para quem já não tem tanto tempo, ele está passando rápido demais. Na verdade, ando meio desligado e nem sinto meus pés no chão. Não leve a mal, mas, ainda sob o sol escaldante de fevereiro e sem lenço e sem documento, vou caminhando contra o vento. Votei em um presidente para derrotar um arremedo de presidente, o que me encheu de alegria e preguiça. Agora, com os olhos cheios de cores e o peito cheio de amores, deixei um sorriso no chão, chorei de amor, eu sei, e tudo que quero da vida é um chope pra distrair. Cheguei à idade da razão. Entretanto, se acha que com isso estou sofrendo, se enganou meu bem. Pode vir quente que estou fervendo! Dos poucos brasileiros que ainda tem CIC, hoje vejo a vida melhor no futuro. E vejo isso por cima de um muro. É o muro da hipocrisia que insiste em me rodear.

Para fugir do povo que marcha pelas ruas como indecisos cordões, decidi acatar uma velha e sábia sugestão. Como somos todos iguais, braços dados ou não, vou seguir a canção e, caminhando e cantando, vou embora, pois esperar não é saber. Afinal, quem sabe faz a hora, não espera acontecer. Patriota sem necessidades pirotécnicas, sempre acreditei nas flores vencendo o canhão. O melhor de tudo é que nunca vivi, escrevi ou briguei sem razão. Desde menino, mantenho a certeza na frente e a história na mão. Entre os fuscas e as motociatas que avançam os sinais vermelhos, queria gritar setecentas mil vezes como são boçais os nossos podres poderes, principalmente aqueles que querem fazer da América católica o berço de ridículos tiranos. Tenho certeza de que, braços dados ou não, ainda faremos do Brasil a pátria de todos.

Embora o bordão tenha sido criado por um herege, amo o Brasil acima de tudo e Deus acima de todos. Meu coração é verde, amarelo, branco e azul anil, mas sem o ufanismo daqueles que pintaram rostos, automóveis e varandas não apenas para demonstrar orgulho de ser brasileiro, mas para mostrar a cara cínica e golpista em favor de um cidadão que, na mesma proporção, fez rir e chorar quem nele apostou. E fugiu, antes mesmo que o golpe que planejou fosse para o espaço dentro da grande baleia azul que também abrigou Mestre Jonas. E agora, José? A festa acabou, a luz apagou, o povo sumiu e a noite esfriou. E agora? Tô nem aí, tô nem aí. Pode ficar com seu mundinho, pois eu não tô nem aí. Já nem lembro do seu nome.

Há quem diga que seus eleitores dormiram de touca, deram bobeira, caíram do galho e não viram saída. Do meu lado, eu quero um quilo mais daquilo e um grilo menos disso. Na verdade, eu quero é botar meu bloco na rua. Acabou o tempo da dor. Aliás, ei dor, eu não te escuto mais. Você não me leva a nada. O terceiro sol chegou para realinhar a órbita do Brasil. Não digo que não me surpreendi, mas, antes que eu visse, o sol bateu na janela do meu quarto e me lembrou que o caminho é um só. Felizmente, ninguém roubou nossa coragem. O novo sol é para todos. Hoje, basta olhar no fundo dos meus olhos, para ver que já não sou como era antes. Tudo que precisei foi de uma chance. Então, vem andar comigo.

Espero que o extremo fanático pelo poder encontre na vida algum motivo para sonhar. Quem sabe, um dia tenham um sonho todo azul, azul da cor do mar. Vocês perderam. Acharam que tinham encontrado tudo que a vida podia oferecer. Em cima disso construíram castelos, um mundo de encanto, no qual tudo era belo. Até que o patriota de araque vacilou, pensou que era rei e pôs tudo a perder. Mesmo sem motivo, foi embora. Partiu para sua própria Pasargada, onde faz ginástica, anda de bicicleta, monta em burros (?) brabos e toma banhos de mar. Quando está cansado, deita à beira do rio para contar o din din que chega fácil e religiosamente. Tudo bem! Sei que não existe castigo, nem recompensa. O que existe é consequência. O plantio é livre, mas a colheita é obrigatória. Tudo na vida tem preço.

Se aqui se faz, aqui se paga, quando for sua vez de pagar quero estar lá só para observar. O mundo gira. Os últimos quatro anos foram da caça. Os novos são do caçador. Camarão que dorme a onda leva. Sem nenhum constrangimento, comprei camisa de seda, terno de linho importado, pizante invocado e dei um molho no meu cabelo. Tudo para retirar as pedras do caminho e não me arranhar com as flores que mantiveram os espinhos. É preciso saber viver. E nunca é cedo ou tarde para dizer adeus, pra dizer jamais. Nossa sorte grande caiu do céu. Chegou no nosso espaço, mandando no pedaço, deu um nó no traço, levantou poeira e transformou o anjo querubim em uma coisa banal. Estou indo pegar meu lugar no futuro, e você, que sumiu na poeira? Me perdoe a pressa, mas me foge à lembrança. Quem era mesmo você?

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