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Política externa

Brasil acumula derrotas por seu apoio a Trump

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Autor/Imagem:
Mariana Sanches/BBC News

Em um período de apenas 15 dias, o Brasil amargou três derrotas diplomáticas para os Estados Unidos. Mas, de acordo com pessoas com conhecimento direto das negociações, que conversaram reservadamente com a BBC News Brasil, o governo brasileiro não foi pego de surpresa pelos reveses: ao contrário, o Itamaraty teria atuado diretamente para promover o interesse dos Estados Unidos sobre os nacionais.

O motivo: ajudar o republicano Donald Trump em sua tentativa de reeleição à Casa Branca. Em desvantagem nas pesquisas eleitorais nacionais, Trump enfrentará as urnas em menos de 50 dias.

A sequência de ações é considerada “eleitoreira” e “mostra de subserviência”, disseram diplomatas ouvidos pela reportagem.

No dia 28 de agosto, os americanos anunciaram que cortariam em mais de 80% a importação de aço brasileiro até o fim do ano. Ao fazê-lo, ainda agradeceram ao “diálogo construtivo” com o chanceler Ernesto Araújo. Treze dias mais tarde, o governo brasileiro decidiu expandir por mais três meses o prazo para importação de etanol americano com tarifas mais baratas, contrariando o interesse dos próprios produtores brasileiros.

E no último fim de semana, o país ajudou a chancelar o nome de um ex-oficial do Departamento de Estado, o trumpista Mauricio Claver-Carone, para a presidência do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), cuja direção, pelas regras tácitas do banco, caberia ao Brasil.

Segundo analistas, as nuances de cada um desses lances revelam o interesse da gestão Jair Bolsonaro de atuar para fortalecer a posição eleitoral de Trump entre latinos e nos chamados corn belt – como os americanos costumam chamar os Estados produtores do milho, com o qual fabricam o etanol – e rust belt – o cinturão da ferrugem, estados cuja economia se baseou por décadas em uma indústria siderúrgica alquebrada que Trump prometeu restaurar.

“Nos últimos 20 meses, o governo Bolsonaro isolou-se internacionalmente, fiando a relevância global do Brasil à permanência de Trump no poder. A reeleição de Trump, portanto, é uma questão de sobrevivência internacional do governo Bolsonaro. As concessões assumem profunda simbologia e visam dar a Trump vitórias diplomáticas à véspera da eleição”, diz Guilherme Casarões, professor de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas.

Desde junho, os americanos passaram a pressionar o Brasil com a possibilidade de recolocar tarifas sobre o aço brasileiro. Graças a um acordo firmado em 2018, uma dada quantidade de chapas do metal produzidas pelo Brasil podia entrar nos Estados Unidos sem encarar as barreiras tarifárias de 25% impostas pela gestão Trump.

Ao criar o sistema protecionista, Trump cumpria uma de suas principais promessas de campanha, cujo mote era “America First”: tentar proteger a indústria siderúrgica americana e os empregos de seus operários que, em 2016, deram a Trump a vitória eleitoral em estados como Michigan, Pensilvânia, Wisconsin e Ohio.

No entanto, os poucos resultados da política econômica para reanimar o setor siderúrgico americano e a possibilidade de perder a disputa para os democratas nesses estados – as pesquisas mostram Joe Biden na liderança em Michigan, Pensilvânia e Wisconsin – levaram o governo Trump a cogitar a retomada das tarifas sobre o produto brasileiro, como uma sinalização a seu eleitorado.

Na negociação com o Brasil, os representantes de Trump deixaram claro que a decisão não se devia só à contração econômica provocada pelo coronavírus, mas ao momento político do país.

O recurso de tarifar o aço brasileiro para agradar o eleitorado não é inédito no histórico de Trump. Em dezembro do ano passado, depois de acusar o Brasil de propositalmente depreciar o valor do real frente ao dólar, Trump já havia anunciado que taxaria o produto brasileiro, medida da qual recuou quase 20 dias depois, graças a gestões do Itamaraty. Agora, o governo Trump chegou a sugerir que o governo brasileiro contivesse a saída do aço do país, o que os produtores não aceitaram.

Diante da inevitabilidade da tarifa, Ernesto Araújo teria conseguido amortecer o impacto político da medida para Bolsonaro ao convencer os americanos a cortar a quantidade importada do Brasil, em vez de retomar os impostos nas transações comerciais. Para o setor produtivo, dizem os especialistas, pode ser uma solução ainda pior que a tarifa, já que na prática impede a exportação pelo Brasil. O prazo das restrições deixam claro o objetivo eleitoreiro da medida: Brasil e Estados Unidos retomarão conversas em dezembro, um mês após o pleito.

Diante da derrota no aço, a expectativa dos produtores brasileiros e dos analistas de mercado era de que o Brasil fosse revogar a isenção de tarifa para importação do etanol americano, aplicada por Bolsonaro no ano passado e vencida em agosto.

Ao zerar a tarifa sobre a importação do etanol, em 2019, o presidente brasileiro atendia a um pedido de Trump. Seu ato criou uma crise com a base ruralista no Congresso, que chegou a divulgar nota dizendo que “os interesses norte-americanos não podem se sobrepor ao dos brasileiros” e ameaçou derrotar o governo nas reformas a serem aprovadas na casa.

Agora, a condição dos empresários do setor sucroalcooleiro é ainda mais delicada que há 12 meses: os estoques estão quase 50% mais abastecidos do que no mesmo período do ano passado por conta da redução do consumo de combustíveis desde o início da pandemia. Os produtores de cana de açúcar esperavam que o governo anunciasse uma linha de crédito para socorrer o setor, que precisa aumentar sua capacidade de estocar.

Ao contrário, recebeu a notícia de que até dezembro mais 187,5 milhões de litros de etanol americano poderão entrar no mercado brasileiro sem impostos. Só depois das eleições americanas haverá revisão da tarifa.

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