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Otimismo que mata

Brasil entre ‘verdades’ bolsonaristas e ‘mentiras’ comunistas

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Autor/Imagem:
Mathuzalém Junior* - Fotomontagem/Mateus Valadares e Daniel Marenco - Reprodução

O adjetivo otimista descreve uma atitude mental com tendência a ter uma visão sempre favorável sobre a vida. Singularmente, otimismo é simplesmente antecipar o melhor resultado possível em qualquer situação. Em linhas gerais, é a disposição que as pessoas têm para ver as coisas pelo lado bom e esperar a solução dos sonhos, mesmo nas situações mais difíceis. Uma das características dos otimistas é que elas sabem que essa “força” para permanecer na luta é exclusivamente deles. Ou seja, agem por convicção ou quando são alimentados por razões que os fazem fazer o que fazem. Não tenho vocação para filósofo. Por isso, a ideia não é filosofar a respeito de um dos termos mais lógicos da ingenuidade.

O objetivo é apenas lembrar que otimismo é a mania humana de sustentar que tudo está bem quando tudo está mal. De minha parte, não sou amargo, tampouco obsessor, mas prefiro o pessimismo, adjetivação mais aplicada aos que querem mudar o mundo. Digo isso porque os otimistas – pelo menos os que aí estão – acreditam que vivem no jardim da fantasia, isto é, estão encantados com o que há. Na verdade, sou realista como a maioria como dos brasileiros pré e pós-pandemia. Sou daqueles que não perdem tempo com decepções. Por isso, mesmo contra a vontade dos que odeiam ser chamados de fanáticos, encasquetei com a tese da mudança a qualquer custo.

Decidi agir na contramão dos políticos, notadamente do líder nacional. A razão é simples: não admito que prospere a hipótese de eles pensarem que podem tornar o país pior do que já é. E farão isso se mais uma vez nos agacharmos, nos rendermos às fake news do além. Como na vida, a política é uma peça que não permite ensaios. Insistir com astros despreparados inclusive para o cinema mudo é muito pior do que manter em cartaz montagens sem protagonistas e com engrenagens que não se sustentam ao primeiro sinal de crise. O grau despreparo que ora enfrentamos é algo inimaginável para um país que já foi considerado a oitava economia do planeta.

A péssima ideia de transformar um mandatário pra lá de comum em mito gerou uma confusão mental até naqueles que jamais contribuíram com propostas e projetos sérios para a evolução nacional. O resultado é que eles passaram a viver e a agir para que suas presenças fossem notadas, quando o normal seria viver e agir para suas ausências fossem sentidas. É o caso do atual presidente da República. Com todo respeito ao ser humano, mas que tipo de cidadão, fora do circuito do otimismo fanatizado, haverá de sentir saudades de quem nunca existiu para o grosso da nação? Talvez aqueles amigos de um amigo querido que avaliam a vacina contra a Covid-19 como arma comunista biológica para derrubar a reeleição do mito. Parece brincadeira. E é.

No entanto, é verdadeira a avaliação sobre a vacinação. Tanto que as campanhas contra a vida das crianças vêm de cima para baixo e se espalham como rastilho de pólvora pelos despreparados salões e quintais bozolíticos, que só se aborrecem quando são lembrados que, em dois anos de pandemia, o presidente jamais demonstrou solidariedade com os atingidos pelo vírus. Para sorte dos que não têm medo de assumir o pessimismo com a remotíssima possibilidade de manutenção do status quo do país, milhões de brasileiros preferiram desertar do bolsonarismo e procuraram a imunização como única forma de manter a vida. Por falar em lembrança, lembro de uma parábola bíblica relativa a um andarilho.

Perguntaram ao homem o que ele ganhava orando a Deus com regularidade. Simples e rápida, a resposta deveria ser usada por todos aqueles que prometem à sociedade que os elegeu devoção, trabalho, respeito e um mínimo de honestidade no jeito de fazer política: “Não ganho nada, mas perco muitas coisas, entre elas o orgulho, a arrogância, a ganância, a inveja, a raiva, o gosto pelo pecado e, principalmente, o prazer da mentira”. Como disse nesse fim de semana um brilhante colunista brasiliense – acho que blogueiro -, “o que esperar de quem enterra a mãe e vai comprar bilhete de loteria”. Os defensores dessa aberração presidencial certamente dirão que a afirmação é fantasiosa, mais uma mentira comunista. Pode ser. Entretanto, acho que está muito mais para uma verdade paranoica de quem, morando em Brasília, jamais pisou no chão batido da periferia da cidade.

Ao contrário do acham meus queridos detratores (queridos porque me esculhambam, mas não deixam de ler o que escrevo), não moro em cobertura do Leblon. Melhor, hoje talvez até tivesse condição de me aproximar desse aprazível bairro, mas prefiro a simplicidade, o acolhimento, a intranquilidade e a deliberada insegurança de Madureira, Bangu, Realengo, Padre Miguel e Campo Grande, entre outros sítios apinhados de comunidades e de pessoas boas e que, em outubro de 2022, deverão votar contra a inconsciência do lorde que transformou a fome, o desemprego, o abandono e o otimismo do povão em discursos efêmeros e mentirosos. Afinal, que tipo de sentimento esse povo aplicaria para insistir com um presidente cuja maior obra foi negar (e continuar negando) um vírus que já matou 623 mil patriotas? Simples: basta separar e peneirar as verdades do bolsonarismo das “mentiras comunistas”. O que sobrar será a verdade do Brasil.

*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978

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