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Samba do Crioulo Doido

Brasil, politicamente correto, vive estereótipo desnecessário

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Autor/Imagem:
Wenceslau Araújo - Foto Valter Campanato/ABr

Politicamente incorreto desde sua descoberta, em abril de 1.500, o Brasil cresceu economicamente, evoluiu como nação, involuiu social e politicamente e continua indefinido ideologicamente. Nada de anormal para um país em que os disparates viram fatos e os atos, mirabolantes e sem nexo, nem sempre alcançam quem deveria: o povo.

A falta de sentido do que vira e mexe nos é apresentado me faz rir. Por exemplo, ouço há pelo menos cinco décadas e meia que o Brasil é o país do futuro. Pedindo todas as vênias aos defensores do politicamente correto, essa afirmação lembra o Samba do Crioulo Doido, composto por Sérgio Porto, sob o pseudônimo de Stanislaw Ponte Preta.

Na composição, escrita em 1966, o tricolor Ponte Preta satirizava o ensino de História do Brasil nas escolas públicas nos tempos da ditadura. A dita ficou mole, mas tudo continua como dantes no quartel de Abranches. Em algumas ocasiões, como de 2018 a 2022, vivemos dias muito piores. No samba, Satanislaw afirma que Chica da Silva obrigou a Princesa Leopoldina a se casar com Tiradentes, que, eleito como Pedro Segundo, procurou o padre José de Anchieta e, juntos (Anchieta e Dom Pedro), proclamaram a escravidão.

Para leigos, entendidos e pouco afeitos à História, está claro que o enredo é tão louco como o autor, pois reúne no mesmo contexto personalidades de época e lugares distintos em condições absurdas. Daí o título maluquete.

Vale lembrar que, composto originalmente para o antigo Teatro de Revista, o samba virou o enredo de 1971 da Escola de Samba Unidos de Padre Miguel (não confundir com a Mocidade de Padre Miguel).

Denso demograficamente, territorialmente extenso, de natureza abençoada por Deus e com um povo com alegria bem acima da média mundial, o Brasil também é enorme nas incongruências.

Há um grupelho político quase em extinção que, usando o comunismo como tese acadêmica, conseguiu fazer de um capetão descompensado um deplomado presidente da República Patriótica e Fundamentalista do Brasil. Sorte dos ditos comunistas que a sanha capetista durou pouco. Na verdade, quase nada.

Foram quatro anos de variadas desventuras. Tantas que lembraram um daqueles velórios chatos e sem cachaça do subúrbio carioca. De tão medonhos, a impressão é que, no fim do gurufim, o morto fica mais aliviado. Sem dúvida, relaxados estão os que sobreviveram ou não acabaram presos.

Também deplomado, o mito da sardinha em lata Valdemar Costa Neto é idolatrado por aqueles que, na ausência do mito frango frito com farofa, querem transformar a patroa em presidenta brasileira. Sonhar não paga imposto. No entanto, se depender da maioria dos brasileiros, nem em encarnações futuras.

Para ilustrar minha despreocupação com essa possibilidade, novamente recorro ao cronista, escritor, radialista, comentarista, teatrólogo, jornalista, humorista e compositor brasileiro Sérgio Marcus Rangel Porto, que, incorporando a verve de Stanislaw Ponte Preta, cunhou a seguinte frase: “Nem todo rico tem carro, nem todo ronco é pigarro, nem toda tosse é catarro e nem toda mulher eu agarro”.

Fecho com ele. Stanislaw morreu em 1968, aos 45 anos. Não teve oportunidade sequer de escrever algo sobre os 500 anos de sua pátria. Rápido como um raio, com seu poder de síntese escreveu antes: “Quando estamos fora, o Brasil dói na alma; quando estamos dentro, dói na pele”.

O tempo passou, mas nada mudou. Permanecemos movidos por interesses absolutamente pessoais. Se vivo fosse, Stanislaw Ponte Preta, como eu, lembraria que a senzala não tinha ideologia. A luta sempre foi por liberdade.

Sempre rendo loas aos que lutam em defesa das minorias e contra o racismo, a misoginia, a homofobia, a xenofobia e tudo que disser respeito à opressão. Afinal, faz bem ao coração e à consciência lembrar diariamente que o Brasil nasceu da violência escravagista e da luta dos escravizados. O negro é bonito, tem brilho nos olhos, força nos cabelos, vigor nos braços e amor de sobra na alma. Por isso, entendo que a segregação e a diversidade racial deveriam ser celebradas o ano inteiro.

Respeitando as devidas reações e prováveis agressões, em síntese, acho desnecessário estereotipar um povo. Também não vejo razão para a criação de um dia para que os brasileiros de todos os rincões conheçam, respeitem e valorizem a robustez física, emocional, profissional e cultural do povo afro-brasileiro. Tudo isso para afirmar que, como cidadão pardo na carteira de identidade, fecho com aqueles que nos pedem compreensão em relação aos demais povos.

Para eles, não precisamos de um dia de consciência negra, branca, parda, albina ou amarela. Precisamos é de 365 dias de consciência humana. Deus criou vidas e não raças. Para ilustrar, na mesma semana se comemorou o Dia do Músico. Não vi ou li qualquer manifestação de louvor a essa sofrida e mal paga categoria.

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