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Prazer masoquista

Brasil sofre com ausência de líderes em condições de liderar

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Mathuzalém Junior* - Foto Marcelo Camargo/Arquivo

Da mesma forma que nunca descobri com quantos paus se constrói uma canoa, não disponho de dados sequer aproximados para saber com quantos votos se faz um presidente da República. Entretanto, é fácil responder quando a indagação é sobre os mandatários. Ao longo da vida, aprendi que um administrador municipal, estadual e, sobretudo, federal precisa ter propostas e projetos. No mínimo, ideias próprias. Faltando menos de seis meses para uma das piores eleições de que já participei, infelizmente a disputa permanece no plano da animosidade, das ameaças, da mesmice e da absoluta falta de feeling a respeito do que quer e pensa os cerca de 150 milhões de votantes.

Na verdade, essa massa endeusada de dois em dois anos como eleitor é apenas um detalhe, na medida em que, pelo menos na quadra que vivemos, serve exclusivamente para alimentar arroubos ameaçadores de um lado e sonhos insonháveis de outro. Não há hipótese de avaliações menos enfadonhas ou temerárias. Posso começar e terminar com uma única afirmação. Se um candidato é ruim para um segmento do eleitorado e o outro é péssimo para o que sobra, me deem uma razão para que eu consiga explicar a insistência com essa tal de polarização? Perdão pelo sincericídio, mas me parece que a vontade de sofrer não quer nos deixar. Ou será prazer?

Como uma sinfonia de pardais, ouço diariamente que o fulano é ladrão e que o ciclano é despreparado e que, até agora, nada produziu de útil para o país. Já tirei minhas conclusões, mas não me permito entrar no mérito. Prefiro concluir minha tese sobre o bem e o mal e tentar entender as razões de tanto ódio e negatividade. Embora seja uma arma mortal contra um eventual malfeitor e contra quem nada sabe, o voto é soberano, secreto até que as primeiras vantagens sejam postas à mesa. Pois bem, se um não presta e o outro ainda não disse a que veio, melhor assumirmos de vez nosso alentado carinho à máxima de Edson Arantes do Nascimento, que, nos áureos tempos da marca Pelé, disse e repetiu que o brasileiro não sabe votar.

Lamento reiterar, mas tudo indica que morreremos sem saber. Será que não há vida fora da polarização? Será que não existe outro cidadão ou cidadã capaz de nos representar? Por que a necessidade de manter as aparências? Mais uma vez recorro aos ensinamentos do inesquecível dr. Ulysses Guimarães, cuja argumentação mais marcante afirmava que “as lideranças, quando são lideranças, permanecem no tempo”. Verdade inquestionável. Também de sua autoria, a frase “O esforço, a perseverança e o trabalho constroem uma carreira política” faz algum tempo deixou de ser aplicada por “nossos representantes”.

Não sou do contra, mas que atire a primeira pedra aquele que discorda da tese de que no Brasil inexistem líderes em condições de liderar. Provavelmente eles existam e estão bem à nossa vista. O problema é que nossa incultura não permite que eles se mostrem. Faz parte do jogo daqueles que adotam a mesmice como palco iluminado. O outro problema é que, enquanto agimos dessa forma tacanha, os cães ladram, os desvarios assolam e poucos percebem a passagem sorrateira da caravana. E assim caminha a humanidade. Talvez fosse o caso de buscarmos nos ensinamentos do profeta Jeremias respostas para nossa desnecessidade de planos concretos de esperança e de futuro.

Da generalidade teórica e prática de Ulysses, pinço uma outra obra prima dos conceitos ulyssistas: “Não roubar, não deixar roubar, pôr na cadeia quem rouba. Eis o primeiro mandamento da moral pública”. Se um não fez e outro acha que não precisa fazer, resta lembrá-los que, na alegria ou na tristeza, resultado de eleição é para ser respeitado, sob pena de as ruas se transformarem em palanque popular. Encerro com mais uma cuidadosa profecia do Senhor Diretas: “A única coisa que mete medo em político é o povo na rua”. Tomara que não haja essa necessidade.

*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978

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