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Salve-se quem puder

Brasil vira meme como Titanic sem seu comandante

Publicado

Autor/Imagem:
Wenceslau Araújo*

Ter esperança é ter a coragem de criar expectativas positivas. É pensar que sempre haverá uma saída, é saber que não há mal que dure para sempre. Quem tem esperança sabe que a qualquer momento coisas boas podem acontecer. De autoria desconhecida, esse pensamento é filosófico, mas tão real quando se pensa em Brasil que parece ter sido escrito para cada um dos 210 milhões de brasileiros desesperançosos com o governo, com o fim da pandemia e com a chegada da vacina. É claro que a falta de esperança esbarra nas boas intenções, mas a trágica realidade nos coloca em situação de probabilidades, de espera de um milagre. Ontem (24), um ano depois de seguidos erros primários do Executivo federal no controle do vírus e no dia em que o país ultrapassou 300 mil mortes, foi criado um comitê anticovid e anunciada a aplicação de 1 milhão de doses diárias de vacinas.

Seria ótimo não fosse o primeiro devaneio do novo ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, cujo chefe, o presidente da República, voltou a lembrar do “tratamento precoce” (a tal cloroquina) como suposta solução para a doença. Infelizmente, reuniões agradam os que continuam ignorando ou fulanizando a letalidade da Covid, mas são insuficientes para eliminá-lo ou minimizá-lo, na medida em que o vírus continua matando duas, três mil pessoas a cada 24 horas. O pior é que hoje não se morre mais somente por causa da infecção, mas por falta de atendimento. E para o governo isso é de somenos importância. Tanto que, no encontro de ontem, estavam apenas os ministros e governadores amigos, isto é, os festivos. Os de oposição, que sofrem na base e que defendem publicamente saídas para a vida, inclusive o odiado lockcdown, não foram convidados por uma razão bastante simples: não dizem amém para o presidente da República.

É chegado o dia D para que todos coloquem os pés no chão. Como disse o presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL), aliado sem muita convicção do capitão, tudo tem limite. Por isso, não adianta o ministro da Saúde prometer 1 milhão de vacinas diariamente se o governo que representa mostra pouca ou nenhuma disposição em decidir concretamente sobre a compra. O povo está cheio de anúncios, promessas e cloroquinas. A sociedade defende um comitê que inclua antagônicos e que discuta e apresente, sem meios termos, soluções para os conhecidos e insolúveis erros. Mais do que isso, abomina uma provável ação entre amigos. Afinal, o tal comitê, a vacina e, sobretudo o combate à pandemia, não podem ser ideológicos, não devem ficar à mercê da retórica ultrapassada do governo bolsonarista, que paga caro pela falta de coordenação no controle da doença e com a banalização do vírus.

Como cristão, respeito os que aplaudem o atraso, a falta de vacina e o descumprimento às medidas que salvam vidas, como o assessor palaciano Filipe Martins. Integrante do Gabinete do Ódio, ele é autor do gesto obsceno e de referência neofacista em direção ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), durante sessão para ouvir o ministro Ernesto Araújo acerca da atuação do Ministério de Relações Exteriores nos esforços para obtenção de vacinas. O gesto substituiu os inexistentes esforços. Que esse povo morra em paz e receba a devida misericórdia de Deus. O que não podemos esquecer é que o presidente que hoje diz liderar um governo que jamais deixou de tomar medidas de combate à Covid-19 é o mesmo que, lá atrás, esculachou a CoronaVac apenas porque o imunizante é produzido pelo laboratório chinês Sinovac, curiosamente a empresa que, por meio do Instituto Butantã, é responsável por mais da metade das imunizações já consumadas no país.

Enfim, o presidente pode ter mudado, mas tomara que tenha visto o meme que varreu o país na tarde dessa quarta-feira e que define bem o atual momento vivido por brasileiros de todas as nuances. O mote da frase viralizada compara o Brasil ao filme Titanic. “O navio vai bater, mas o capitão não desvia. Está afundando, mas, por recomendação do comandante, o povo permanece dançando, bebendo e se divertindo. Agora, chegamos à parte que já não tem mais bote para todo mundo”. É nesse momento que o capitão abandona a cabine de comando e, convicto do tempo que perdeu negando ou ignorando o iceberg, grita para os que ainda conseguem ouvi-lo: salve-se quem puder. Entre os mais de 301 mil mortos, certamente estão muitos inocentes que acreditavam na capacidade do capitão. Esses, infelizmente, não terão o privilégio das mudanças.

*Wenceslau Araújo é jornalista

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