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Questão de acento

Brasileiro só descobre seu anjo quando tem caso com o demônio

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Autor/Imagem:
Wenceslau Araújo - Foto Reprodução/Canção Nova

Sempre preocupado com as nuances e pegadinhas da língua portuguesa, ainda me surpreendo com a necessidade de acentuação – ou não – de palavras similares e homófonas. Queimo a mufa, mas normalmente acerto. Um dos principais problemas do português, o acento é um trem por demais complicado e, ao contrário do que pensam os desassentados, não é mera decoração. Às vezes, ele é em cima, outras é embaixo. O pior é quando descobrimos que o assento não tem acento. É ele (o acento) o diferencial das palavras. É uma língua tão sábia que me custei a saber que não sabia a origem do sabiá. Pode parecer uma enorme besteira – e é -, mas que barato perceber a beleza da pele negra do Pelé.

Já disse e repito que entre doidos e doídos, prefiro não acentuar. Por outro lado, faço questão de enfiar o agudo quando associo os excrementos do pobre coitado do cágado aos dos maledetos dos patriotas que empoçaram mães e pais de lágrimas de sangue uma semana após o país empossar Luís Inácio presidente da República do Brasil pela terceira vez. Esses cidadãos de quinta (não a quinta da vinícola) morrerão sem entender que o que a profetisa profetiza é irreversível. Mas um dia entenderão. Perderam porque se acharam ( e se acham) diferentes. E realmente são. Do meu lado, tenho mais facilidade de lidar com as adversidades da conjunção, mas do que com as pessoas más.

Beócias por natureza, estas ainda confundem maio com o mês mais apropriado para colocar um maiô. Pior é quando trocam o dá (do verbo bitransitivo dar) pela preposição da. A preferência nem assusta mais. Na verdade, para expressivo público, a conjugação do verbo dar, em todos os tempos, já virou modismo. Parece um modismo interessante, mas a dor do dar é um sonho que me dói no olho a ponto de, sentido o nó nas entranhas, alcançar o nirvana só de imaginar a situação. Como diz o poeta, cada um tem sua função no mundo e na vida de alguém. Poetizando ainda mais a frase, diria que o ser humano descobre seu anjo tendo um caso com o demônio.

Foi o que ocorreu com a patriotada de meia tigela (outra anomalia da língua portuguesa) que apostou no mito de portaria de casa de saliência. Felizmente, não sobrou para eles sequer o estoque da tal casa das moças de vida difícil. Não restou nem mesmo as joias das arábias. A bem da verdade, além de fulanizar dois termos pouco usuais do português, a imbecilidade de parte do povo brasileiro ultrapassou todos os limites da normalidade. A expressão mito para um ser abjeto e sem expressão foi a primeira estupidez de um grupo obtuso, apalermado, inapto, tolo, estulto e clarividentemente próximo do mais alto grau de hebetismo. Descobertas por boçais naturalmente expurgados do macro convívio social, as expressões etarismo e tóxica hoje são utilizadas para definir pessoas que desconhecem o vocábulo sociedade.

São as mesmas que, a exemplo do mestre do ódio, são incapazes de gerenciar uma tendinha de periferia. Para ilustrar, tóxica se aplica em várias situações. Pode ser um relacionamento afetivo, emocional, de amizade, partidário e ideológico, de longe o pior deles. Já etarismo ou ageismo consiste no preconceito, na intolerância e na discriminação contra pessoas de idade avançada. Foi o que fizeram três párvulas de Bauru. Loiras, universitárias e com neurônios de menos, as moçoilas atacaram uma colega de classe somente porque ela tinha mais de 40 anos. Esqueceram que o tempo é o eterno construtor de antigamente. Torço para que elas cheguem aos 30 sabendo, pelo menos, que homofobia não significa pavor de homem, mas medo irracional diante da homossexualidade.

Aliás, a mesma irracionalidade com a qual elas agiram na primeira oportunidade que tiveram de se socializar. Como até o verbo dar é direto e indireto, isto é, bitransitivo, pode significar introduzir ou retirar, entendo que os tóxicos confundam o etarismo (velhofobia) com o otarismo, cujo significado pode ser o dia em que parte dos brasileiros trocaram Jesus por Bolsonaro ou a noite em que esse mesmo povo usou supositório genérico contra a Covid-19. Como diria o poeta do absurdo, entrou pela abertura exterior do tubo digestivo, mas, com alguma dificuldade, saiu pelos anos que de dourados não têm nada. De volta ao acento, é apenas uma questão de semântica. Ou de similaridade. Vocês decidem, mas, para quem sabe ler, um pingo é letra.

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