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Cheiro de 2026 no ar

Câmara vira palanque e Marina Silva mostra as garras a deputados machistas só por fora

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Marta Nobre - Foto Vinícius Loures

A temporada de caça está aberta no Congresso Nacional. Não se trata de javalis nem de pesticidas — o alvo agora é gente. Mais especificamente, uma mulher, negra, amazônida, evangélica e, para desespero de certos senhores engravatados, ministra. Marina Silva voltou a ocupar seu lugar habitual na mira de uma bancada que prefere motosserra a argumento, ofensa a dado técnico, e boi gordo a floresta viva.

Já não é mais só barulho de ensaio. O que se viu na audiência da ministra na quarta-feira, 2, foi um prenúncio claro de que a oposição largou a fantasia da diplomacia e botou as garras de fora. A um ano e três meses das eleições presidenciais, o que era embate virou emboscada, e o Congresso parece mais palanque do que Parlamento.

Na Comissão de Agricultura da Câmara — onde o único cultivo evidente é de hostilidade — Marina foi convocada para uma audiência que, se fosse honesta, teria outro nome. Algo do tipo ritual de apedrejamento parlamentar. Portanto, o Palácio do Planalto que se prepare, porque a tempestade vem do Norte, do Sul, das lavouras e dos plenários. A sorte é que Marina, mesmo sendo alvo preferencial, sabe dançar na chuva.

O deputado Evair de Melo, com a sutileza de um trator em mangue, resolveu inovar no repertório de grosserias. Comparou a ministra ao Hamas e às Farc. Um primor de diplomacia ruralista. E, como se estivesse em um stand-up de mau gosto, resgatou sua infeliz comparação com o câncer, apenas para emendar que “o câncer, muitas vezes, tem cura” — numa tentativa de dizer que a própria ministra não teria.

Faz-nos crer que a oposição não quer ouvir, quer desestabilizar. E, no subtexto dessa audiência de 5h30, há uma mensagem mais ampla de que 2026 começou. Não oficialmente, claro. Mas nas trincheiras da Comissão de Agricultura e no tom azedo de cada intervenção, já se ouve o tropel da pré-campanha. E ficou claro que o deputado anda confundindo CPI com comício e acha que analogia é sinônimo de crueldade gratuita. Deve ter feito curso avançado em retórica no mesmo lugar onde alguns aprendem a mentir olhando firme nos olhos.

Marina, que já havia deixado o Senado em maio após insultos de Plínio Valério, decidiu permanecer. Mais de cinco horas de agressões, interrupções, ironias. Desta vez, ela ficou até o fim. E respondeu como sempre, usandoa boca para disparar firmeza e fé.

Quando o deputado Cabo Gilberto mandou que ela “se acalmasse”, como quem educa um cão nervoso, como quem repreende uma criança teimosa ou uma esposa “histericazinha”, a ministra fez o que se espera de alguém que conhece bem o perfume do machismo disfarçado: denunciou. Sem rodeios. E sem baixar a cabeça, ela não deixou barato. Denunciou o machismo embutido em cada frase que tenta domar mulheres eloquentes, vindas de um machismo que nunca se manifesta quando um homem esbraveja em plenário.

A ministra rebateu, resistiu e devolveu com dignidade. Citou a queda do desmatamento, o crescimento do agronegócio, os avanços na renda. Mas ali, diante de olhos arregalados e dedos em riste, parecia estar no banco dos réus. E era mesmo isso: uma tentativa de julgar não a ministra, mas o governo ao qual ela pertence. E mais ainda: o projeto político que representa.

Porém, números não comovem quem já decidiu que o debate é guerra. Ali, a lógica era outra: triturar o símbolo para enfraquecer o governo. E, de quebra, alimentar a matilha virtual com mais uma farofa tóxica. Observou-se com clareza que a audiência não era sobre política ambiental. Era sobre política eleitoral. A floresta entrou pela porta da frente, mas quem ficou no centro da sala foi 2026. O que se viu ali foi um teaser do próximo embate presidencial, com direito a ataques pessoais, distorções ideológicas e aquele velho ranço que brota sempre que uma mulher ousa pensar alto demais.

Cinco horas e meia depois, Marina saiu de pé, sem se curvar, como sempre. Deixou no ar uma frase que parece escrita para a lápide de muitos discursos raivosos: “É preferível sofrer a injustiça do que praticar uma”. Na boca de quem enfrentou tantos desertos, essa frase não é só consolo. É profecia. Mas a oposição, ao que tudo indica, discorda.

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Marta Nobre é Editora-Executiva de Notibras

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