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Herança

Câncer de mama é como loteria genética, social, econômica

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@donairene13 - Foto Acervo Pessoal

Quando descobri um câncer de mama aos 36 anos, não houve exatamente um susto. Havia tristeza, claro, medo também. Mas não foi uma surpresa. O câncer é uma doença muito comum na minha família, quase uma tradição trágica. De certa forma, eu sempre soube que havia uma boa chance de isso acontecer comigo em algum momento. E, quando chegou, pensei: “Pronto. Chegou a minha vez de passar por isso.”

Mas foi só ao iniciar o tratamento que comecei a perceber como as pessoas lidam de forma muito diferente com a doença. Conheci mulheres que buscavam desesperadamente uma explicação. Algumas diziam que a doença era resultado de um trauma mal resolvido, outras falavam de mágoas antigas, de escolhas erradas, de estilo de vida. Houve quem acreditasse que era um castigo divino, uma lição enviada pelo universo. Uma tentativa de ensinar algo, de despertar algo.

Eu ouvia aquilo tudo e, embora respeitasse, não conseguia me identificar. Nunca busquei um motivo. Não achei que tivesse feito nada para “merecer” o câncer, nem para evitá-lo. Ele simplesmente aconteceu. Como acontece com tanta gente. É genético, é estatístico, é estrutural.

E aí comecei a refletir: se para algo ruim as pessoas buscam tanto uma explicação, será que fazem o mesmo com as coisas boas? Porque, se você acredita que ficou doente por alguma falha sua, talvez também acredite que ficou rico, famoso ou bem-sucedido por algum mérito pessoal inquestionável.

Será mesmo?

Talvez tenha gente por aí com três apartamentos, um carro importado na garagem e uma agenda cheia de contatos importantes que acredita de verdade que tudo isso foi conquistado apenas com esforço, inteligência e merecimento. Que se acha superior por ter mais, como se a vida fosse uma balança justa. Mas, como no meu caso com o câncer, às vezes não tem mérito nenhum. É herança. É contexto. É a loteria genética, social, econômica.

Essa necessidade de justificar tudo revela muito mais sobre nós do que sobre o que nos acontece. Talvez fosse mais honesto reconhecermos que nem tudo tem explicação. Nem tudo é justo. Nem tudo é culpa. Nem tudo é conquista. Às vezes, é só a vida acontecendo. Um diagnóstico, uma herança, um acaso. E a gente tentando entender o que, muitas vezes, simplesmente… é.

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