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Começar de novo

Carnaval passou e ficou a perigosa folia na política

Publicado

Autor/Imagem:
Marc Arnoldi

Em ano de troca de hóspede nos palácios e particularmente no do Planalto, o tradicional bordão de um Brasil que “só começa a trabalhar depois do Carnaval” não é completamente exato. Os novos governantes aproveitaram os dois primeiros meses do ano para dar uma amostra do estilo com o qual pretendem mandar. A partir de agora, terão que conviver com o Legislativo, seus debates, suas negociações. Quando não suas negociatas.

A onda de renovação das câmaras e assembleias pelo Brasil se deu em duas vertentes: uma guinada à direita, mais em sua variante conservadora que liberal, e uma personalização dos mandatos. A proibição das doações de pessoas jurídicas nas eleições trouxe uma barateamento espetacular das campanhas, mas também uma vantagem significativa aos candidatos com recursos disponíveis.

Os dois fundos públicos de financiamento da vida partidária permitiram às grandes agremiações despejar milhões em candidaturas escolhidas pelas cúpulas, enquanto endinheirados tiraram do próprio bolso o viático necessário para viabilizar suas eleições. Os primeiros serão fiéis seguidores das decisões de seus caciques; os segundos franco-atiradores com os quais os Executivos terão que negociar caso a caso.

O carnaval terminou mas a folia não parece ter fim. A folia da divisão política que leva aos extremos. O discurso dos “nós contra eles” instituído há mais de uma década só tende a radicalizar-se. A última eleição geral cristalizou uma verdadeira fratura na sociedade brasileira, não tanto “a favor” mas “contra”. Os anti-PT ganharam. Todos não são Bolsonaro, longe disso. Mas é o ex-capitão que mais soube encarnar esse sentimento. Eleitores mais moderados, que podiam tender a avaliar as candidaturas Geraldo Alckmin, Álvaro Dias ou mesmo Henrique Meirelles, quiserem pagar para ver já no primeiro turno.

A mesma tática do “contra Bolsonaro” fez inflar o resultado de Fernando Haddad de votos que podiam ter caído na mochila de Ciro Gomes, Marina Silva ou Guilherme Boulos. A eleição de 2018 ficará marcada como a da escolha do “menos pior” já no primeiro turno.

Jair Bolsonaro foi propulsado à mais importante cadeira do Brasil como opção anti-esquerda em geral, anti-PT em particular. Ele se sente confortado nesta cruzada pessoal que o fez emergir da Câmara dos Deputados onde atuou por tanto tempo. Sua posse como presidente da República não modificou em nada seu pensamento. A composição de seu governo, o essencial de suas ações e de suas declarações têm sempre o foco de combater o que ele considera o mal absoluto. Ele não poupará nem esforços, nem poder para enfrentar seu inimigo. Ele não recuará nem diante de excessos e exagerações. Parte da população o apoiará incondicionalmente. Mas nem de longe os 49 milhões que digitaram 17 já no primeiro turno.

Do outro lado da trincheira, o mesmo mote. O PT mantém seu protagonismo à esquerda, com importante bancada na Câmara dos Deputados e, consequentemente, significativa parcela do fundo partidário. O conglomerado de mídia pró-Partido dos Trabalhadores também prossegue sua cruzada, iniciada já nas eleições der 2010, quando toda candidata ou candidato que não era 13 era direitista, ultraliberal ou fascista. Até, e sobretudo, a Marina Silva. Mesmo o PSOL foi taxado de “direitão” quando participou das manifestações de 2013.

A militância se radicaliza, sob a impulsão da presidente Gleisi Hoffmann, que em suas declarações já passou de “antiliberal” a “anticapitalista”. Uma guinada à esquerda que modifica a linha adotada pelo Presidente Lula, que tinha aberto às alianças em direção ao centro. Fernando Haddad, mais próximo da socialdemocracia que da extrema-esquerda, tenta navegar nas correntezas. O eterno líder petista continua no centro das atenções, com uma campanha #LulaLivre destinada a manter em foco o principal nome de coesão do partido. Virou símbolo com mistura de nostalgia e de esperança para muitos. Mas nem de longe os 31 milhões que digitaram 13 já no primeiro turno.

O ano de 2019 será de guerra quente. Dois clãs irredutíveis, dispostos a não ceder um milímetro e a defender suas posições nem que a razão ou a verdade tenham que padecer desta jihad política. No meio, em sua esmagadora maioria, um povo que sonha em melhorar de vida, desempregados que procuram emprego, alunos que estudam em condições precárias, trabalhadores que querem ter certeza de voltar vivos para casa. Tomara que a briga de torcidas não se faça nas costas dessa maioria.

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