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Tradição nordestina

Casamento na quadrilha tem amor, forró e confusão

Publicado

Autor/Imagem:
Acssa Maria - Texto e Foto

Era noite de pré-São João na roça do Sítio do Sossego — ironia no nome, porque sossego ali ninguém tinha, muito menos naquela noite. O céu estava aceso de fogos, o cheiro de milho assado e canjica dançava no ar, e o coreto já tremia ao som do forró. Mas o que todo mundo queria mesmo ver era o casamento de Zefinha e João Gavião.

Zefinha, a noiva, vinha toda de branco, ou quase — o vestido era mais rendado que rede de pescar tilápia e reluzia sob a luz das lamparinas. Entrou de braço dado com o pai, o Coronel Tibúrcio , homem bravo, bigode grosso e espingarda mais ainda. Dizia que ninguém tocava na filha sem antes assinar papel, jurar amor eterno e enfrentar o cão, se fosse preciso.

João Gavião, o noivo, era vaqueiro dos bons, valente e apaixonado. Tinha olhos só pra Zefinha, mas pernas tremendo mais que vara verde. Chegou ao altar suando como porco no fogo, olhando pro padre e pro cano da espingarda do Coronel com o mesmo respeito.

O Padre Miguel — meio padre, meio sanfoneiro nas horas vagas — ajeitou a batina com bordado de chita e pigarreou:

— Estamos aqui pra casar esses dois, com fé em Deus e benção de Santo Antônio. Quem tiver alguma coisa contra, que fale agora ou cale-se pra sempre…

E foi aí que a festa desandou.

Do meio da multidão saiu Tonho Capeta, ex-namorado da noiva, ciumento como siri na lata. Chegou montado num jegue e com um rojão aceso na mão:

— Esse casamento num vai acontecer! Zefinha é minha!

O povo gritou, a sanfona parou, a espingarda do Coronel subiu devagar como lua cheia no céu de roça. Mas antes que estourasse o barraco (e talvez o Tonho), Dona Maroca, a mãe do noivo e quituteira oficial da festa, jogou um tabuleiro de bolo de mandioca no chão com força:

— Aqui não, Tonho! Tu já teve tua chance! Vai embora antes que eu te faça engolir essa fogueira!

Tonho ainda bufou, mas o jegue resolveu por ele: deu meia-volta e saiu trotando sozinho, com Tonho pendurado igual espantalho.

O povo aplaudiu, o sanfoneiro puxou um xote, o Coronel baixou a arma e o padre, rindo, voltou ao serviço:

— Pois então, Zefinha, aceita o João Gavião como seu legítimo esposo?

— Aceito sim, padre, com coração, chapéu e tudo!

— E tu, João?

— Eu aceito também, uai! E juro que nem olho mais pra moça do milho-verde!

Depois do “sim”, teve beijo, teve foguetório, teve dança até o chão com Compadre Zé Boca Mole , que cantava mal e ria alto. As comadres fofoqueiras comentavam tudo em tempo real, e até o Cachorro Lampião mascote da festa, latiu de alegria.

E assim, no meio da bagunça e da alegria, com quadrilha, milho e coração batendo mais forte que zabumba, o casamento aconteceu.

No outro dia, o sol nasceu preguiçoso, e o Coronel já procurava alguém pra casar a filha mais nova. O padre? Tava dormindo num banco da igreja, com a sanfona de travesseiro e um sorriso nos beiços.

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