Curta nossa página


Bate-papo com Arruda

‘Celina hoje é grande favorita, mas não sou de morrer na praia’

Publicado

Autor/Imagem:
José Seabra - Foto Acervo Pessoal

Conversei, enfim, com José Roberto Arruda. Dividimos uma mesa na Belini (ali, na 113 Sul) em um papo que se alongou por mais tempo do que supúnhamos. Tudo por conta de muitos – embora breves – intervalos para que admiradores do ex-governador, hoje no PSD, fossem cumprimentá-lo e desejar-lhe sucesso numa eventual candidatura ao Palácio do Buriti. Digo ‘enfim’ porque, em três ou quatro ocasiões, ele chegou a desmarcar nosso encontro, a ponto de permitir-me indagar, neste mesmo espaço, se ele temia perguntas constrangedoras. “Só temo os vivos” (no sentido figurado de espertalhões), disse-me logo ao chegar. E enumerou um rosário de nomes que ficarão fora deste texto, por total falta de tempo para ouvir as versões de seus desafetos políticos.

Mas foi, sem dúvida, uma conversa agradável. E como domingo é dia de leitura leve, tentarei aqui, por meio de metáforas e tomando emprestado o título (traduzido para o português) A revolução dos bichos, de George Orwell, interpretar, se não no todo, ao menos grande parte da conversa. Contudo, de pronto, sem qualquer ficção, enfatizo uma frase dita por Arruda: “Celina, hoje, é a favorita para vencer a eleição. Porém, como ainda vai correr muita água sob a ponte, vou nadar de braçada para não morrer na praia”.

Dito isso, vamos ao que colhi da conversa, tendo o Cerrado, e não uma mera fazenda, como cenário.

Uma curta viagem ao futuro, e aterrissamos em pleno outono de 2026. Embora a paisagem nos pareça imóvel, sabemos que tudo se move por baixo da terra, e a velha fábula de Orwell ganha vida em meio a símbolos, folhas, pedras e feras que fingem não disputar o mesmo território.

No centro do Planalto, ergue-se a Pedra. Íngreme, maciça, estufada em sua aparente eternidade. Chamam-na Ibaneis, rocha do MDB, dessas que não caminham, não correm, não disputam; simplesmente ocupam o espaço conquistado. A Pedra não pede votos; ao contrário, impõe sombra. Quem passa perto aprende a contorná-la ou a bater a cabeça. Suceder a Pedra não é tarefa simples. Exige força, paciência e determinação.

É nesse cenário que surge a Leoa. De juba bem penteada, passos firmes, olhar treinado para o ataque final, Celina parece farejar o poder com instinto de uma suçuarana. Se a savana eleitoral fosse hoje, seu rugido seria suficiente para afastar concorrentes menores, salvo os que têm uma folhinha presa à orelha para manter distante o mau-olhado dos adversários. A Leoa sabe que o Cerrado não perdoa hesitação. Por isso, caminha como favorita esbanjando confiança e ganhando mais visibilidade. Age consciente de que a política também é território; e quem não marca, perde.

Mas há algo que a fábula moderna traz à tona. É que nem toda disputa, principalmente contenda política, é vencida por garras, mas com garra.

Ainda fora do palco, quase confundida com a paisagem, está a Planta. Não rosna, não ruge, não avança. José Roberto Arruda finca raízes silenciosas, como quem já conhece a terra e sabe onde a água passa quando ninguém vê. Ele não é árvore frondosa nem flor vistosa. É uma folha que, ao contrário do que supõem os predadores, não afunda; desliza.

No quadro que se desenha, Arruda se move como quem já caiu e aprendeu a cair sem se esfarelar. Leve, soprado por uma brisa suave, dessas que não derrubam cercas, mas mudam o clima. Com sua perspicácia, a Folha não enfrenta a Pedra e não desafia a Leoa. Espera pacientemente que ela avance demais. Política, afinal, não é corrida de cem metros; é resistência ao tempo, ao vento e à própria memória.

Mineiro de origem, Arruda mantém na bagagem uma vantagem que Brasília subestima: quem nasce onde não há mar não teme morrer na praia. Porque a praia, diz, é apenas uma metáfora inventada por quem sempre precisou de horizonte para acreditar. E como das Minas, há 71 anos gerais, ele sabe que o poder, como o ouro, não brilha na superfície. Está enterrado, escondido, exigindo escavação lenta e mãos calejadas.

A conversa na Belini levou a essa ilustração. Arruda deve plantar a semente no Outono, trocando a condição de pré para ser. No Inverno, espera estar bem agasalhado com o calor humano, para, na Primavera, colher os frutos. Por ora, as tintas do Cerrado têm essa coloração. A Leoa ruge, a Pedra mantém sua sombra pesada, a Folha segue levada pelo vento até apegar-se a um buriti.

Como a abertura foi com George Orwell, fecho lembrando Charles Perrault: o problema dessa narrativa talvez seja manter um inconfidente ao lado. É que um gato de botas, capaz de iludir um ogro que vira leão e depois se transforma em rato, pode acabar degustando seu prato predileto.

…………

José Seabra é CEO fundador de Notibras

Publicidade
Publicidade

Copyright ® 1999-2025 Notibras. Nosso conteúdo jornalístico é complementado pelos serviços da Agência Brasil, Agência Brasília, Agência Distrital, Agência UnB, assessorias de imprensa e colaboradores independentes.