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Limites constitucionais

Chegou a hora de transformar a indignação em mobilização

Publicado

Autor/Imagem:
Wenceslau Araújo

Recentemente, li um artigo assinado por Carlos Alberto Libânio Christo, mais conhecido por Frei Betto, com a seguinte pergunta: “Vai ter golpe?”. Antes mesmo de encerrar a leitura, minha resposta já estava pronta. Por uma dessas felizes coincidências, conclui exatamente como o jornalista, escritor e frade dominicano. Após discorrer sobre a luta do pai, o também jornalista Antônio Carlos Vieira Christo, contra a ditadura e o regime de terror de Getúlio Vargas, Frei Betto faz uma analogia com o período pré-1964, quando a preocupação com as reformas de base propostas por João Goulart e com o fantasma do comunismo levou setores do conservadorismo mais radical da época a apoiar articulações convenientes aos interesses dos Estados Unidos.

O comando era baseado exclusivamente nos interesses de Tio Sam. Respaldado pela desmobilização das forças progressistas e pelas Marchas da Família com Deus pela Liberdade, lideradas por um sacerdote norte-americano enviado pela CIA especialmente para acompanhar de perto a movimentação dos contrários, o golpe militar foi supostamente articulado com apoio maciço do povo. Claro que a verdade é bem diferente, mas contra fatos há pouco argumento. Com apoio formalmente expresso dos EUA, as Forças Armadas assumiram o poder em 1º. de abril daquele ano. O resultado foi aquele que todos viram. O regime durou 21 longos anos.

A democracia é uma bem inalienável do povo brasileiro. Nesse sentido, na defesa do regime democrático não cabem comparações com período algum. Claro que não foi o melhor dos mundos, mas o que passou, passou e não deve sequer ter seu retorno especulado. Entretanto, somente para contextualizar, em 1964 havia um conclave de cardeais das Forças Armadas com inteligência inquestionável e sabedoria muito superior à soberba. Também vale registrar que a direita subversiva e mais raivosa, exatamente a que hoje ameaça repetida e exaustivamente a democracia, quase melou a proposta dos então marechais e generais de devolverem o país a quem de direito: o povo.

Difícil imaginar grupelhos comandados pela prole do mito com coragem para enfrentar o mundo. Por isso, é improvável que haja alguma possibilidade de golpe. Não há clima interno ou externo para esse tipo de retrocesso. Todavia, o desejo incontrolável da família e de alguns agregados é nessa linha. As baboseiras ditas contra as liberdades pululam pelo ar. Pior é a afirmação de que somente Deus tira o Messias da Presidência da República. Pois esse Deus, que não aguenta mais a histeria maluquete do bolsonarismo, já bateu o martelo e disse que o tira em outubro. Isso quer dizer que , pelo voto, dificilmente o mito continuará atentando contra o país enclausurado no Palácio.

Portanto, restarão pouco mais de três meses até janeiro, mês da posse. Até lá, permanecerá a expectativa de golpe como sua excelência, a divindade do cerrado, vem anunciando. Insisto na tese de que não haverá levante algum. Se houver, seremos os únicos culpados. Como acontece em jogos contra clubes ou seleções de argentinos e uruguaios, nossos atletas se limitam a observar os adversários sentando a pua. Por inércia, medo, respeito ou a garra que sobre nos hermanos, normalmente nos falta força para reagir. E isso ocorre jogando em qualquer lugar. Nossa incapacidade de reação gera destemor em quem nos enfrenta.

Na política não é diferente. Ficar vendo a banda passar, os porcos chafurdarem e o lobo uivar sozinho não vai resolver. Como disse Frei Betto, “frágil não é a democracia brasileira, mas sim nossa capacidade de, como povo, transformar nossa indignação em mobilização”. Judiciário, Legislativo e os movimentos sociais estão esperando tempo bom. Enquanto isso, os cães ladram, a caravana passa e o principal ocupante do Palácio do Planalto continua se sentindo desobrigado de jogar conforme o regulamento, isto é, como determinam os limites da Constituição.

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