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Idade cornológica

Cibalena e benzetacil marcaram velhos bailes

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Autor/Imagem:
Wenceslau Araújo - Foto Amir Daves/Reuters via 247

Carioca de berço e de alma, dei meus primeiros passos nos bailes da vida nas impagáveis Estudantina, na Praça Tiradentes, e na Elite, na Praça da República, nas quais chegava às sete da noite e só saía no corujão da madrugada. Escassa como hoje é a picanha na mesa de pobre, a bandidagem vivia remotamente. Origem dos grandes boêmios, da diversidade de gêneros e dos armários entreabertos, a região dispunha de alguns madrugadores do tipo punguistas de braguilha, os então populares e rodados velhos de programa. Tudo com base na troca de favores recheados de saliência. Não era afeito a esse tipo de negociação, mas obviamente fui tentado numerosas vezes. Minha resposta era rápida: Nado em outros mares. É claro que, dado o grau etílico dos nauseabundos e dos garotos de aluguel, vi cenas que imaginei com fim trágico.

Algumas tiveram até troca de função (ou de posição). Desconheço as considerações finais, mas uma das iniciais envolveu um vizinho muito querido e hoje um honrado pai de família. Lembro que, numa das saídas da Estudantina, um contratante se encrespou com o contratado (meu vizinho) e, quase chegando às vias de fato, o sujeito meio barro meio tijolo deu um ultimato no meu parceiro de baile: “Tá pensando o que? Querendo me enrolar. Vai pagar caro. Ou o caneco ou a vida!”. Graças a Deus, meu amigo completou semana passada mais um anus de existência. Foi mais uma primavera em pleno outono. Atualmente, infelizmente, a vida e o caneco valem tanto quanto uma Cibalena vencida. Coisas do progresso. O fato é que, desde aquela fatídica data, perdi o interesse pela Tiradentes.

Antes dessa decisão, circulei com alguma desenvoltura por ali. Respeitado, festejado e teso contínuo na Rua José, no Castelo, passava pelo local somente por conta da obrigação de jovem espadaúdo, pululante e frenético. Tinha compromissos semanais com as primas de terceiro e quarto graus, com as quais, após dois ou três saquinhos de amendoim torradinho e duas balas de gengibre, normalmente fazia da limonada uma maracujada. A dobradiça da “bobiça” das moçoilas quase não fechava mais, mas era o que sobrava para rapazotes da minha idade. As opções eram prá lá de limitadas: era aquilo ou calo na mão. Apesar disso, era moço de família. Por isso, tremia nas bases só de imaginar alguém sonhando comigo naquele lugar de moças tão distintas e puras como o Mangue, no Rio de Janeiro, ou o Tietê, em São Paulo.

Só parei de tremer quando descobri que pelo menos metade do Rio de Janeiro também se divertia com minhas parentas. A outra metade preferia esperar o fim do baile da Estudantina para os tais contratos. Eita tempo bom! O fato venéreo é que bastava uma benzetacil e o problema do problema estava resolvido. Simples assim. Às vezes, um melhoral dissolvido no Óleo de Rícino era suficiente para aliviar as cabeças. Morrer? Só de morte morrida ou quando a meninada fogosa era flagrada pulando o muro da vizinha mais espivitada e dadivosa do bairro. Aí, a pedido do marido, São Pedro errava a data e chamava o incauto para uma conversa de pé de ouvido. O risco era grande, mas valia a pena pela enorme e abundante generosidade da veneranda e caridosa senhora. Tempo que se foi e não volta mais.

Grande a abundância, maior ainda a diversão. Prodigiosa e irresponsável, a época serviu para que, desde então, começasse a catalogar o quantitativo de guampudos, também conhecidos por galhudos ou cidadãos apetrechados com apêndices duros que certos ruminantes têm na cabeça. Deem o nome que quiserem, mas naquele tempo eles existiam, mas não eram tão populares como são hoje, quando tudo é festa. Pareciam os barbantinhos cheirosos usados nos bailes de carnaval ou nas festas de debutantes de então. Em outras palavras, só se queimavam quando a rua, o bairro e as adjacências já sabiam. Partiam do princípio de que chifre é apenas uma coisa que colocam na cabeça da gente. E assim viviam até que o peso começava a incomodar. Tudo mudou. Nada mais incomoda ninguém. Pelo contrário. O exemplo disso vem de várias regiões do Brasil.

Quando descobrem, alguns viram macho e matam traidora e traidor. Outros matam a traidora e ficam com o traidor. Nos estados mais descolados, é comum a saliência virar um encontro tripartite. Em outros, o sujeito prefere lavar a honra com a própria vida. Uma pena morrer dessa forma. Invejável é a boa nova chegada da turma do goianês. Para eles, pegar a amada com outro não significa necessariamente um final trágico. Às vezes, a felicidade está na próxima esquina. O traído sai à rua em busca de outro corno e, aos soluços, forma uma nem sempre duradoura dupla sertaneja. Partindo do pressuposto de que chifre é igual anemia, não abro mão de comer direito. Conforme atestam os dentistas, o lado bom é que o chifre é igual a dente: só dói quando nasce. Como se vê, circulei por todas as categorias e idades cronológicas. Praticante unilateral e religioso de cordão no pescoço, confesso que nunca comunguei e que meu sarrafo afetivo é tão alto que não tenho razão para ultrapassá-lo.

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