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Glamour e decepção

Como no futebol, Brasil deve parar experiência malsucedida

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Wenceslau Araújo - Foto Fernando Frazão

Mantenho a opinião de que as pesquisas de intenção de votos são o recado mais eloquente do eleitorado brasileiro para o principal ocupante do Palácio do Planalto. Penso que a intenção seja informá-lo sobre a urgência de uma decisão política antes de 2 de abril, quando expira o prazo para renúncia de presidente da República, governadores e prefeitos que pretendam concorrer a outros cargos. É a chamada desincompatibilização. Eles podem permanecer apenas se forem disputar o mesmo cargo. Os números indicando mais do que o dobro de sufrágios para o candidato vinculado ao extremo oposto não sinalizam apenas uma iminente vitória, mas uma retumbante derrota, daquelas que a gente não consegue esquecer nem mesmo quando reencarnado. Lembram do histórico 7 a 1 contra a Alemanha na Copa de 2014?

Estamos há quase oito anos daquele fatídico dia e bem próximo de vivermos algo muito parecido. Jogando em casa, com maioria absoluta de torcedores e detentor de cinco títulos mundiais, a Seleção Brasileira entrou em campo certa do caminho do pódio. Jogadores e técnico se esqueceram de que o adversário fazia tempo se preparava para retornar ao Olimpo. A partida de 8 de julho de 2014, no Mineirão, não foi somente o maior vexame futebolístico do Brasil. Acabou provando que não basta se achar o melhor. É preciso parecer o melhor. Se possível, que seja o melhor. Não foi. O técnico Luiz Felipe Scolari virou zumbi dos gramados. Dos principais jogadores da época, poucos não continuam sonhando com os torpedos alemães. Fora do jogo por contusão, Neymar, apesar de milionário, permanece medíocre como homem e como jogador.

O sentido do futebol e da política obviamente que é diferente, mas a dor, os efeitos imediatos e, principalmente, as sequelas são as mesmas. E normalmente irreversíveis, inesquecíveis, exatamente como o 7 a 1. Ao contrário do torcedor de 2014, que se mostrou reticente desde a apresentação dos jogadores, o eleitor de 2022 não quer mais saber de experiências, tampouco de desvarios presidenciais. Em resumo, mantida a insatisfação do povo, provavelmente teremos presidente novo eleito em outubro deste ano. Certamente o resultado terá milhões de votos de diferença, mas, pelo menos para mim, o simbolismo da derrota será similar à sova alemã. Ou seja, a exemplo de Felipão, o derrotado será o novo zumbi da Esplanada dos Ministério ou do Congresso Nacional.

Reitero que não será surpresa alguma uma fuga pela tangente antes do prazo final da desincompatibilização, isto é, de a vaca alcançar definitivamente o brejo. Convenhamos que não há mais nada que suporte esse governo de chanchada. Seja lá para quem for, a conclusão de qualquer analista iniciante é de que a derrota deverá ocorrer ainda no primeiro turno. Portanto, desistir agora pode ser improvável, mas politicamente não é impossível. Dependerá de uma conjunção de fatos. Entretanto, muito mais do que insistir em permanecer em um posto para o qual não foi talhado, estará em jogo a manutenção da imunidade do mito. Faz parte do velho e sujo jogo político.

Claro que é cedo para concluir sobre um segmento (a política) que Ulysses Guimarães definia como a arte do possível. Todavia, mantenho o posicionamento de meses atrás, quando, como foca do jornalismo político, insinuei que o presidente da República poderia fugir da campanha eleitoral contra adversários mais consistentes e tentar reaver seu bom emprego de deputado federal. Afinal, foram 28 anos na Câmara Federal protagonizando coisa alguma. A confiança do povão, o desejo incontido de golpe e a interação com brasileiros fanatizados ficaram pelo caminho pavimentado exclusivamente com gritos, xingamentos, ameaças, fake news e nenhuma produção. O glamour inicial deu lugar à decepção.

Enfim, teve oportunidades e não as aproveitou. Deve acabar exatamente como começou: com meia dúzia de fiéis seguidores. Nada mais do que isso. Pelo sim, pelo não, o passeio solo de moto desse domingo (16) pelas ruas de Brasília foi uma eloquente sinalização de abandono. Com o indefectível e medroso sorriso rafaélico, Jair Messias Bolsonaro, aparentemente sem o conhecimento da segurança, saiu sozinho pela Esplanada e pela L4, uma via de alta velocidade da capital federal. Sinal dos tempos de gasolina alta ou somente a previsibilidade de uma derrota que o negacionismo desenhou desde o primeiro dia de mandato. Deus acima de tudo.

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