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Política para fantasmas

Congresso faz de sexo dos anjos o principal tema da ordem do dia

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Autor/Imagem:
Misael Igreja - Foto de Arquivo

De autoria da escritora Ana Maria Machado, a frase “Bento que Bento é o Frade” nos remete a uma antiga brincadeira infantil. Ela também deveria nos obrigar a refletir sobre a importância da natureza e do respeito ao meio ambiente. É querer demais no Brasil do poder acima de qualquer coisa? Como uma andorinha só não faz verão, me vejo obrigado a pelo menos aderir a um apelo em forma de desabafo poético baseado nos versos de Gonçalves Dias. “Nosso céu tem mais fumaça, nossas várzeas menos água, nossos bosques têm mais fogo e nossa vida tem mais mágoa”.

O desabafo é longo, mas me permito ficar por aqui antes que acabe molhando meus escritos: “Minha terra tem senhores que se acham imortais. Eles cismam que são donos de florestas e de animais. Incendeiam minha terra para ter pasto e ganhar mais”. O mundo inteiro está vendo que o fogo inimigo está minando as resistências do chão brasileiro. Também minam os mananciais e tudo o que Deus semeou para que cuidássemos e mantivéssemos sempre brotando. Nada que chame a atenção dos atuais congressistas, cuja prioridade é rosetar para bolsonarizar. Nada além disso.

Em nome de um “patriotismo” que sai do fígado cancerígeno de meia dúzia, a estultice alheia está levando o Brasil para o buraco negro e enfumaçado do inferno. A crise é gravíssima. O fogo queima lavouras, florestas, animais irracionais e até o coração dos racionais. Apesar disso, os senhores do Parlamento brincam dia e noite de fazer política para os fantasmas que habitam suas cabeças ocas. Sem qualidade legislativa alguma, nossos apopléticos e insanos deputados e senadores conseguem se superar como incapazes a cada legislatura.

Em recente pesquisa oficiosa deparei-me com projetos caros por conta da tramitação, absurdos, ilógicos, infantis e, por que não dizer, ridículos. É o caso, por exemplo, de um que cria uma licença menstruação. É claro que todas essas proposições chegam à lixeira da Câmara e do Senado bem antes do que o respeito e a dignidade de seus autores. Elas são pitorescas, ignorantes, mas custam caro para o contribuinte, na medida em que sua tramitação até o lixo envolve computador, tempo e raciocínio de assessores e técnicos.

E não é só isso. Suas excelências também defendem o fim do estepe de emergência, aeroporto para alienígenas, aborto de bebês com “tendências criminosas”, a doação obrigatória de órgãos para condenados por dois ou mais homicídios dolosos e a proibição do uso de nomes próprios em cães, gatos e afins. Nossos homens públicos brigam para descobrir o sexo dos anjos. Paralelamente, o ambiente que se dane. Ele que se renove ao sabor dos ventos e com as graças de Deus.

Portanto, com todo carinho que merecem os animais usados como motes para os projetos, a falta do que fazer de boa parte dos parlamentares gera esse tipo de pensamento obtuso, mentecapto, rasteiro, indecente e parvo de fictícios homens públicos. Enquanto isso, as palmeiras de minha terra ardem sem parar. Sem elas, o sabiá e as demais aves já não têm onde pousar. Em nome de Gonçalves Dias, “não permita Deus que eu morra sem que veja esses chacais sendo presos e pagando por seus crimes abissais”.

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Misael Igreja é analista de Notibras para assuntos políticos, econômicos e sociais

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