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Constituição retalhada pelo Congresso vira um antigo papiro de folha ressecada
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Vivo fosse, Ulysses Guimarães estaria com 108 anos. Político nato, Ulysses partiu antes que pudesse imaginar a colcha de retalhos em que se transformaria sua tão sonhada Constituição cidadã. Dominado pelos defensores do caos e estimuladores da catástrofe, o Legislativo destrói uma página do texto de 1988 a cada desentendimento com o Poder Judiciário. Como eles têm sido recorrentes, quase diários, hoje a chamada Carta Magna está mais para um pergaminho com pele de lobo ou um papiro de folhas secas e sem utilidade alguma. Normalmente em nome de Jesus ou do próprio bolso, tudo para facilitar as maracutaias e impedir a intromissão da Justiça no dia a dia de descaramento e bandalheiras.
Desde sua promulgação, a Constituição já foi modificada 140 vezes. Como é conveniente ao poder dominante rasgar, ignorar ou jogar no lixo o texto constitucional, a maioria esmagadora das emendas obviamente favoreceu os parlamentares. Aprovada pela Câmara e pelo Senado, uma das mais recentes foi a denominada PEC da Anistia que, contrariando decisão unânime do Tribunal Superior Eleitoral, representa um perdão completo e absoluto para todas as irregularidades e condenações dos partidos políticos e das campanhas eleitorais. Trata-se de uma absurda, oportunista e egoísta seletividade, a qual mata qualquer possibilidade de justiça.
A obrigação de as emendas PIX serem identificadas e rastreadas gerou o último incômodo entre o Supremo Tribunal Federal e o Congresso Nacional, reduto guardado por aqueles que trabalham diuturnamente para fortalecer as amizades, as negociatas, os perdões aos pares e, principalmente, a união contra qualquer tipo de ataque externo. Seria o momento de ressocializar nossos políticos? Seria, caso a imoralidade e a falta de ética deles fossem menores do que suas mentiras. Para eles, tudo, inclusive o nada destinado à população.
É na poesia dos plenários das duas casas legislativas que as gargalhadas macabras e as artimanhas demoníacas se transformam em lembranças catastróficas, quase “tsunamicas”, para os brasileiros. Para determinados nacionais, a relação entre políticos e juízes lembra o paradoxo utilizado em uma antiga publicidade dos biscoitos Tostines. “Eles vendem mais porque são fresquinhos ou são fresquinhos porque vendem mais? A similaridade não é clara. Os políticos querem liberdade para prevaricar ou os magistrados prevaricam porque não conseguem a mesma liberdade?
Aceito o descrédito de alguns, mas, por integrá-la por 17 anos e meio, ainda acredito piamente na Justiça brasileira. Por isso, a meu ver, a resposta é de somenos importância. Importante é a certeza de que o texto defendido e aprovado com o suor de Ulysses Guimarães caminha celeremente rumo ao arquivo morto. Por isso, digo sempre que a única saída para o que vivemos são os aeroportos internacionais espalhados pelo Brasil. Ao último que sair, recomendo apagar a luz para não iluminar e tornar definitivamente transparente a lucrativa divisão de bens públicos.
Aos incautos e ingênuos contribuintes, periodicamente convocados como eleitores, resta o estudo para futuro entendimento de uma frase do escritor moçambicano Mia Couto: “Cada um descobre seu anjo tendo um caso com o demônio”. É o caso do Legislativo e do Judiciário. Novamente me valendo de Mia Couto, afirmo que na vida só a morte é exata. O resto balança nas duas margens da dúvida. É por isso que fujo das discussões políticas como algo recomendável ou saudável. Parto sempre do pressuposto de que a vida é bastante preciosa para ser esbanjada em um mundo desencantado e com pessoas que só encantam os ratos com os quais aprendem a produzir riqueza com a desgraça do
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*Armando Cardoso é presidente do Conselho Editorial de Notibras
