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Hipocrisia dos profetas

Covid fora de controle deixa país mais amargo

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Autor/Imagem:
Wenceslau Araújo*

Trecho de um alfarrábio bíblico revela que somente a um hábil general, capaz de o dirigir, se confia o comando de um Exército. Estamos longe disso no Brasil de hoje, quando, conforme pesquisa divulgada pelo Instituto Datafolha informa que 56% dos consultados acham que o presidente Jair Bolsonaro não tem condição de liderar o país. Como já escrevi neste mesmo espaço, desconfiai dos falsos profetas. Essa recomendação é útil em qualquer tempo, mas, sobretudo, nos momentos de transição em que, como no atual, se elabora uma transformação da humanidade assolada pela pandemia. É a época em que uma multidão de ambiciosos e intrigantes se arvoram em reformadores, em messias, salvadores da pátria. É contra as falsas profecias que devemos estar em guarda.

Antes de novos números da consulta, diria ao chefe da nação que, como já fez numerosas vezes, vista todas as camisas dos clubes mais populares, mas escolha uma só e chute a bola. Erre, mas tenha humildade e não deixe seu povo – eleitores ou não – esperando pelo grito de gol que não chega nunca. Mostre alguma capacidade aos mais de 50% de brasileiros que o acham incapaz de governar. Melhor, mostre que os cerca de 50% de pesquisados pelo Datafolha estão enganados a respeito do seu instinto negacionista. Não deixe chegar a zero seu parco capital político. Esqueça rancores, pense menos em 2022 e jogue na primeira lixeira que encontrar todos os ensinamentos ruins de Donaldd Trump. Só para lembrar, já somos 11.780.820 de infectados, dos quais 287.499 mortos.

Sobrou para nós a explícita bajulação da família Bolsonaro ao magnata norte-americano. Faltou reciprocidade, mas isso jamais foi notado. Trump gostava tanto do Brasil, mas nunca pensou sujar o solado do sapato de cromo alemão com a terra vermelha do cerrado tupiniquim. Foi-se e boa parte do povo dos Estados Unidos agradecerá se não voltar. Presidente, siga bons e sinceros exemplos de quem realmente quer ajudar na condução da pandemia e entenda como verdadeiro o colapso da saúde anunciado pela maioria dos governadores. Lembre-se que o descontrole e o descaso oficial com relação à doença justificam as críticas internacionais e a rejeição da sociedade interna quanto as formas de trabalho para conter a Covid-19.

Os números são retumbantes e deixam claro que, por causa deles, o comandante brasileiro é tão criticado fora como dentro do território nacional. Portanto, ainda estamos muito distantes do cenário de tranquilidade. Os sinais exigindo uma guinada são diários. Falta convencer o chefe. Por enquanto, a liderança máxima do Brasil mantém a tônica de dar de ombros quando é obrigado a lembrar ou falar da Covid-19. Inicialmente porque é um assunto que não domina e não quer resolver. Depois, porque tem ódio de quem o domina e quer resolvê-lo. Por isso, dos três ministros que antecederam Marcelo Queiroga na pasta da saúde, dois foram demitidos porque sabiam demais e um porque sabia de menos, mas que, aos trancos e barrancos, tentava encontrar soluções, inclusive ameaçando comprar vacinas.

Foi desautorizado e humilhado publicamente apenas porque, mesmo superior fardado vitalício, esqueceu que o temporário chefe supremo das Forças Armadas gosta de mandar e de mostrar diariamente aos colaboradores quem é o verdadeiro dono dos palácios que habita. Manda muito, mas sabe pouco. Tanto que confunde fakes com fatos, gritos e ameaças com respeito, apoio com vassalagem, adversários com inimigos, poder com desrespeito, vírus letal com gripezinha e pandemia com orgia, também conhecida como liberou geral. Não é de graça que, para boa parte da população mundial a Covid-19 é conhecida por aqui como mito, como vírus da ignorância. Como diz o ministro das Relações Exteriores, inventaram o novo coronavírus com o único objetivo de desqualificar a gestão bolsonarista.

Como reprovar o que é inexistente? Bisonho ou não, o vírus é como chifre ou o como o governo Bolsonaro: você fala, mostra, explica, mas o interlocutor não aceita, não acredita. Faz um ano a doença está aí, internando, intubando e matando milhares de pessoas no Brasil e no mundo. Entretanto, claudicar na compra de vacinas e criticar medidas de restrições viraram modismos e bê a bá dos apoiadores do presidente da República. Enquanto isso, pelo menos 27 milhões de brasileiros (12,8% da população) estão na miséria. Além disso, o desemprego e a inflação batem às portas da maioria das famílias, que, mesmo com as quatro parcelas de R$ 250 do novo auxílio emergencial, não conseguirão amenizar suas dificuldades.

E de quem é a culpa? Dos governadores que fizeram opção pelo lockdown em defesa da vida de seus comandados? Dos cientistas, que defendem medidas restritivas severas como forma de conter a doença? Da imprensa, que noticia o que vê? Dos médicos e enfermeiros que hoje têm de escolher quem morre e quem vive? Ou será desse povo esquerdopata que insiste em adoecer e morrer? Brasileiros e brasileiras, pelo amor de Deus parem de morrer. Vocês estão prejudicando a imagem do país no exterior. Aos que insistem no endeusamento do mito, recomenda-se o livro “Como ser feliz com 1,5 mil mortos por dia”. Leiam enquanto estão vivos.

Sobre a pergunta do presidente (“Qual país do mundo está tratando bem a questão da Covid?), a resposta é simples: todos que têm responsabilidade com o povo. O Brasil ainda está na lista de espera do profeta. Falando em profecias, diz o ditado que seguro morre de velho. Por isso, bem fez o bispo Edir Macedo, chefe da igreja Universal do Reino de Deus. Como a maioria de seus pares, ele nega o vírus, mas foi flagrado tomando vacina em Miami.

*Wenceslau Araújo é jornalista

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