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Adeus namorico

Cuidar do cocô do pet evita frustração como a de Aprígio

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Autor/Imagem:
Eduardo Martínez - Foto José Cruz

Aprígio, com seus quase 70, acordava sempre cedo, mais cedo até que o próprio despertador, que, talvez cansado de ter a corda apertada há anos, de vez em quando se fazia de mudo. Seja como for, o velho parecia não se importar com tal comportamento desse sua segunda companheira de quarto. Sim, o segunda! É que também havia a temperamental Filó, a não muito simpática cadelinha caramelo.

Cara de poucos amigos, a companheira de Aprígio colecionava desafetos na quadra 312 Norte. Algumas tentativas frustradas de mordidas aqui, outras tantas acolá, inúmeros latidos estridentes por todos os lugares. Não perdoava ninguém. Até mesmo o Aprígio carregava algumas cicatrizes, lembranças de mordidelas sem grandes consequências, a não ser aquelas que ferem a parte mais valorizada por um homem como ele: a honra.

Aprígio, assim como Filó, também não era muito afeito a conversas sem um sentido prático. Por isso, não era do tipo que dizia “Bom dia!”, “Boa tarde!” ou “Boa noite!”, nem mesmo para Francisco, o antigo porteiro do prédio. Homem direto, sem tempo para sentimentalismo, até que, por um desses acasos da vida, eis que Aprígio percebeu que do outro lado da calçada havia um enorme cachorro. De tão gigantesco, o velho chegou a duvidar de que se tratava mesmo de um cão. Talvez fosse um cavalo ou qualquer desses bichos da roça.

Não demorou, o velho constatou que Filó mantinha o olhar fixo naquele cachorrão. Apesar de azulados pela catarata avançada, os olhos da cadelinha pareciam apaixonados. Nenhum latido. Apenas ganidos de quem queria porque queria algo. No caso, esse algo estava há poucos metros, preso a uma guia que se estendia até as mãos graciosas de Eufrásia, que também carregava uma recente viuvez.

O defunto, apesar de fresco, carregou o resquício de lamúrias da viúva, além de lhe deixar uma polpuda pensão. Livre do estorvo e com dinheiro mais do que suficiente para as despesas, Eufrásia se sentiu livre como jamais havia sido. Queria mais é se divertir!

_ Desculpe, não sei o que houve com a minha cachorra!

_ Ah, não se preocupe! Acho que o Sultão também gostou dela.

Não tardou muito, Aprígio, Filó, Eufrásia e Sultão passaram a se encontrar algumas vezes por dia, como se tivessem combinado. Na verdade, Aprígio ficava de olho na janela do seu apartamento para ver quando a velha e o enorme cachorro apareciam na calçada lá embaixo. Então, mais ligeiro que barata fugindo quando se acendem as luzes, lá ia o Aprígio carregando uma também apaixonada Filó.

A conversa, por mais frugal que fosse, parecia bem recebida por Eufrásia. Todavia, caminhava para um eterno destino sem futuro, até que a velha tomou a iniciativa e convidou Aprígio para um lanche logo mais à tarde. Obviamente que ele aceitou. Tomou aquele banho caprichado uma hora antes do horário marcado. Borrifou pelo corpo maltratado o perfume que havia ganho num dos seus aniversários, não sabia qual. Retirou a naftalina de dentro do sapato e o calçou.

De tão entusiasmado, arriscou até uma leve corridinha, olhando para aquele céu azul de Brasília. Sorria, sorria, sorria. De tanta felicidade, imaginou que a calçada estava mais macia do que de costume. Era o amor saltitando no velho coração enrugado!!!

Mal se postou diante da porta da amada, esta lhe sorriu aquele sorriso esperançoso de que algo mais pudesse vir a acontecer. Logo estavam sentados à mesa. Suquinhos, biscoitinhos, chazinhos, até mesmo um providencial cafezinho gourmet para agradar os paladares mais aguçados. Entretanto, Eufrásia pareceu se incomodar com um cheiro não muito agradável. Ela abriu a ampla janela da sala, mas aquele fedor parecia cada vez mais impregnado no ambiente.

– Você não está sentindo, Aprígio?

– O quê?

– Essa catinga horrível.

O velho, como se fosse um perdigueiro, começou a buscar o tal fedor, até que resolveu olhar para a sola do sapato. Não demorou muito, constatou que havia uma boa explicação para a tal maciez da calçada.

– Que merda.

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