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Arranjando tendinite

Currículo Lattes, outras ficções científicas e pena da protagonista

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Autor/Imagem:
Emanuelle Nascimento - Foto Francisco Filipino

Acordei, tomei café, chorei e atualizei meu Currículo Lattes nessa ordem. Escrever “produtiva” na aba de 2023 foi o maior ato de ficção que já cometi. A cada novo item, uma performance: parecer ativa enquanto eu só queria dormir três meses seguidos.

Publiquei um artigo que ninguém leu, fiz uma palestra para três gatos pingados e, no fim, ganhei um certificado em PDF e uma tendinite emocional. O Lattes virou um altar onde oferecemos nossa sanidade em troca de bolsas que não cobrem nem a terapia necessária para continuar sendo produtivo. O verdadeiro milagre acadêmico não é publicar é sobreviver à exigência de parecer relevante o tempo inteiro.

Atualizar o Lattes é como tentar empacotar o caos em tópicos. Eu olho para a tela e penso: como traduzo em palavras os surtos, os choros às 3h da manhã e os cafés frios que me trouxeram até aqui? Talvez eu devesse criar uma aba chamada “colapsos significativos”, ou então “aprendizados existenciais não remunerados”.

O sistema acadêmico exige produtividade, mas ninguém fala da solidão, da síndrome da impostora e do cansaço que habita cada vírgula digitada. E mesmo assim, seguimos. Porque no fundo, há um quê de resistência em manter vivo um currículo mesmo quando a vida parece querer deletar a gente.

Se no futuro alguém encontrar meu Lattes, espero que leia como quem lê ficção científica: com espanto, admiração e um pouco de pena pela protagonista.

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