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Generais de bom senso

Decepção com Bolsonaro pode mudar cenário do segundo turno

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Mathuzalém Junior* - Foto de Arquivo

De bom ou de ruim, verdade ou mentira, tudo que sai da boca do homem um dia lhe será cobrado. Antes de assinar a ficha do PL do Valdemar Costa Neto, ex-mensaleiro e um dos expoentes do Centrão, o presidente da República, ainda em campanha, costumava se referir ao grupo com adjetivos nada republicanos, entre eles “escória”, “velha política”, “contraditório”, “satanizado” e “a nata do que há de pior no Brasil”. Em 2018, em nome do capitão e de forma bastante enfática, o general Augusto Heleno aproveitou a convenção em que o PSL oficializou Jair Bolsonaro como candidato do partido à Presidência da República para mostrar suas armas e a do futuro chefe e comandante supremo.

Atual ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), ele se dirigiu à plateia cantando uma paródia da música Reunião de Bacana (Se gritar pega ladrão) em referência à aliança do ex-governador de São Paulo e também candidato ao Planalto, Geraldo Alckmin (ainda no PSDB), com legendas desse bloco conhecido pelo fisiologismo e pela ganância por verbas públicas. Compostos pelo falecido sambista Bezerra da Silva, os versos “Se gritar pega Centrão, não fica um ladrão, meu irmão”. Naquele momento, a maioria dos militares que certamente comporiam o governo pensava do mesmo modo. O Centrão realmente não agregaria valores a um governante que se dizia sério, com valores democráticos e acima de qualquer suspeita. A diferença entre uns e outros era comportamental e de valores conquistados em anos de caserna.

E não era só isso. Boa parte dessa maioria de generais que tomou posse com Bolsonaro tinha certeza de que prevaleceriam os discursos dos palanques espalhados pelo país. Perceberam rápido o engodo e pularam fora do barco antes que ele fizesse água. Os que ficaram… Bem, os que ficaram não aceitam sair nem por decreto. O fato é que o general e o capitão cuspiram para o alto e o resultado caiu nos olhos de ambos. Hoje, a turma do meu pirão primeiro é justamente o principal fiador da sobrevivência política de Jair Messias e da manutenção do segundo polpudo contracheque dos militares que topam tudo pelo poder. A metamorfose do chefe do Executivo foi ligeira. Depois de numerosos tropeços e poucos acertos – acho até que nenhum – a relação com o Centrão foi formalizada com espasmos de orgulho.

Ao discursar, o presidente confirmou o que todas já sabiam, isto é, que sempre fez parte do grupo que envergonha expressivo percentual de eleitores brasileiros, inclusive militares de patentes respeitadas e sem nenhuma soberba ou proposta ideológica. A verdade é que o surto de sinceridade presidencial é a prova de que, em suas muitas voltas, o mundo, às vezes não só gira, mas capota. Na mesma variação de políticos, apresentadores de TV, eleitores, técnicos e jogadores e futebol, no Brasil de nossos dias há generais de bom senso, generais e generais. Embora não sejam do ramo, muitos estão loucos para buscar um lugar ao sol no Congresso Nacional e assembleias legislativas. Há os que escrevem ou aceitam participar de debates e entrevistas políticas, embora afirmem ter urticárias ao primeiro sinal de envolvimento da instituição Forças Armadas na política partidária de mesa de bar, beira de esquina ou arquibancada de estádio de futebol.

O terceiro e mais fanático grupo é formado por defensores de um futuro partido militar e da militarização da massa falida que é o Estado brasileiro. Heróis da moralidade, são os que, como na paródia acima, sambam conforme a música. Sorte nossa é que de lá para cá muita coisa mudou no Brasil. Por exemplo, vieram a pandemia, o desmantelo da administração federal, o desassossego e o desencanto do povo e o consequente derretimento do mito. Sobraram o desgoverno, o isolamento do mundo, mais de 611 mil mortos pela Covid-19 e um país à beira do precipício. Uma das vozes mais potentes contra as formas de ser e de governar de Jair Bolsonaro, o general Carlos Alberto dos Santos Santos Cruz já fez suas escolhas para 2022. Mudará de calçada caso encontre o capitão que insiste em achar que virou mito e, pela presença na cerimônia de filiação de Sérgio Moro ao Podemos, deve seguir na mesma estrada do ex-juiz da Lava Jato.

Em várias de suas entrevistas desde que deixou a Secretaria de Governo, Santos Cruz, sem medo de errar, deixa claro que, ao alimentar um fanatismo gerador de violência, Bolsonaro busca razões para não explicar porque nada cumpriu do discurso apresentado durante a campanha. De certa feita, o general disse com todas as letras que o espírito anarquista do chefe da nação “age para destruir e desmoralizar as instituições e banalizar o desrespeito pessoal, funcional e institucional”. Também já li o ex-ministro dizendo que Jair Messias surfa no extremo à direita, mas não passa de um político “populista”. Quem conhece o general sabe que ele não blefa, tampouco flerta com a política de botequim. Crítico das duas candidaturas polarizadas, ele diz que o ex e o atual presidente tiveram suas oportunidades, mas se perderam na demagogia e no populismo.

Posso até não concordar com esse posicionamento, mas não discordo da tese de que o Brasil não ganhará nada com uma campanha de extremos. Ainda não sei se Santos Cruz foi mordido pela mosca azul da política, mas pelo menos defendo outra tese de sua autoria e de um grupo forte de generais do bem. Como instituição, as Forças Armadas não devem se vincular a ninguém. E ele não está só. Entre políticos, militares, evangélicos e ex-apoiadores, há uma ruma de eleitores concordando com a tese de que Moro pode se tornar a opção preferencial para quem se decepcionou com o governo Bolsonaro. Às vezes sou tentado a apostar em Moro e Lula no segundo turno. Caso sobrem Lula e Bolsonaro, acho que todo esse pessoal fará opção pela extrema imortalizada por monstros sagrados do futebol brasileiro, como Zagalo, Paulo César Caju, Rivelino, Pepe e Canhoteiro.

*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978

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