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Desemprego e casa viram o maior drama dos refugiados sírios que chegam ao Brasil

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Com um gentil “Sallaam Aleikum”, cumprimento árabe que significa “a paz esteja convosco”, Hanaa Nachawaty cumprimenta os clientes, em uma calçada do Leme, na zona sul do Rio de Janeiro. Ela e a família vendem esfirras, quibes e pastas árabes em uma banquinha com duas bandeiras da Síria. Como a maior parte dos refugiados que chegaram ao Brasil, eles elogiam a acolhida no país, mas enfrentam dificuldades em conseguir emprego e moradia definitiva.

Há dois anos no Brasil, Hanaa e a família sobrevivem da venda de salgados, o principal meio de sustento da família de cinco pessoas, incluindo uma criança de 5 anos. Ela alega ter escolhido o país pelas facilidades de conseguir asilo. Desde 2011, o Brasil acolheu 2.077 refugiados sírios, o maior número na América Latina e bem à frente da Argentina, que recebeu 268.

Segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur) e a organização não governamental Open Society Foundation, o Brasil está atrás apenas da Alemanha, que recebeu 45 mil pessoas nos últimos quatro anos. Diferentemente da Europa, destino preferencial da maioria, os asilados que chegam ao país não recebem uma casa ou auxílio financeiro até reorganizarem a vida. É tudo por conta do refugiado, que, muitas vezes, fica abandonado à própria sorte até conseguir ajuda.

Conseguir uma casa é exatamente o maior problema da família Nachawaty desde que chegou ao Brasil. Atualmente, eles vivem em um apartamento emprestado, que terão de devolver em breve. “O dono nos pediu de volta e não temos para onde ir”, disse um dos filhos de Hanna, Armin Nachawaty, 24 anos. A família prepara em casa os salgados que vendem nas ruas. Se perderem a casa, perdem o sustento.

Em São Paulo, onde estão 65% dos sírios que chegaram desde 2014, por causa da guerra, a Sociedade Beneficente Muçulmana (SBM) também reconhece que o acesso à moradia é uma dificuldade. Sem políticas habitacionais específicas e com condições de aluguel, que, muitas vezes, exigem fiador ou pagamento de altas quantias como garantia, a entidade, que oferecia cestas básicas, além de colchões e cobertores aos refugiados, passou a servir marmitas na instituição. Isso porque muitos não tinham sequer onde cozinhar.

“O grande objetivo deles é ir para e Europa, então, eles chegam aqui com as mesmas expectativas das pessoas que foram para lá”, explica a coordenadora do Programa de Atendimento a Refugiados da Cáritas no Rio de Janeiro, Aline Thuller, que trabalha no acolhimento aos estrangeiros. Porém, os trâmites em alguns países são lentos ou exigem que as famílias fiquem confinadas em campos de detenção, como na França. “[Lá] é comum que as pessoas cheguem ao extremo de cometer suicídio, por frustração, por se sentir improdutivo”, completa.

Educação e emprego

No Brasil, destaca Aline, a grande vantagem é a possibilidade de conseguir um emprego. Assim que o refugiado chega, ele tem direito a carteira de trabalho, com os mesmos benefícios trabalhistas que qualquer brasileiro, como férias, horas extras e décimo terceiro salário.

Mesmo com a possibilidade de trabalhar, conseguir uma vaga não é tão fácil. O nível educacional dos refugiados sírios é alto, mas eles não têm documentos para comprovarem a formação acadêmica ou revalidarem o título das universidades. “Eles vem de um nível social e educacional alto, mas ficam aqui em uma situação complicada”, reconheceu Aline. “Muitos acabam em subempregos, dando aula de inglês ou trabalhando em serviços gerais”, lamenta.

Falando inglês fluente, Armin, o filho mais velho da família Nachawaty, que estudou hotelaria na capital da Síria, Damasco, não consegue uma recolocação profissional. Ele prefere vender comida árabe nas ruas a lavar pratos por 12 horas em restaurantes na Lapa. “Sabemos de um caso em que o sírio era discriminado e tinha mais trabalho que os outros funcionários”, revelou. O pai, conta, era um pequeno empresário do ramo imobiliário e perdeu tudo nos bombardeios.

Há um ano no Brasil, Rabia Kafouzi, 29 anos, graduada em letras, deixou o seu país e emprego há três anos. “Havia bombardeios aéreos e de tanques [na Síria]. Sequestravam jovens para colocar no exército e, por causa disso, muitos amigos e parentes foram mortos”. Até hoje, não conseguiu emprego por causa do idioma. É o marido que dá aulas de inglês, mas que na Síria trabalhava com informática, o responsável por sustentar a família com duas filhas pequenas.

Na Igreja Ortodoxa de Antioquia do Rio, que recebeu duas famílias refugiadas, a situação se repete. O padre Ignatios Al Sayegh empregou um sírio, também com nível superior, na paróquia. Outro, com menos escolaridade, foi aceito em uma fábrica têxtil. As mulheres ficam em casa, enquanto as crianças estão em escolas católicas. Como ainda não falam português e tem medo de prejudicarem parentes que ficaram no país de origem, preferem não dar entrevistas.

Isabela Vieira – ABr

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