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Televisão

Dramalhões voltam para quem gosta de lágrimas

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Autor/Imagem:
Carolina Paiva, Edição

Os dramalhões mexicanos estão em alta (de novo). Chegaram aqui lá pelos anos 1980 do século passado por iniciativa do SBT. Àquela época, as emissoras brasileiras, sobretudo a TV Globo, tinham uma estrutura sólida de produção de folhetins, com histórias bem brasileiras, e a comparação se tornou inevitável. Mas, em breve, três exemplos da dramaturgia produzida pela emissora mexicana Televisa – A Usurpadora, Maria do Bairro e Marimar – chegarão à Globoplay. Elas se juntarão à fina flor da produção nacional: Tieta, Roque Santeiro, Vale Tudo, O Bem Amado, Caminho das Índias e Joia Rara – as duas últimas, vencedoras do Emmy Internacional de Melhor Telenovela.

Isso quebrará a barreira entre o que se convencionou a ser sinônimo de padrão de qualidade e as tramas mexicanas, consideradas inferiores – apesar de terem lugar cativo no coração dos telespectadores. E transformarão em cult essas produções – sim, as reprises de telenovelas ganharam esse caráter desde a criação do Canal Viva, em 2010, e quando, em 2020, a Globo decidiu publicá-las na íntegra em sua plataforma de streaming.

“A chegada dos clássicos mexicanos à Globoplay rompe com o paradigma ‘o Brasil na telenovela, a telenovela no Brasil’.” A opinião é de Mauro Alencar, doutor em Teledramaturgia Brasileira e Latino-Americana pela Universidade de São Paulo e que, em seu doutorado, escreveu a tese América Latina: Paraíso das Telenovelas, em 2004.

“Plataformas como Netflix, Amazon Prime Video, Disney +, Paramount +, a novíssima HBO Max e tantas outras estão mudando completamente o perfil do produtor de conteúdo e do consumidor. E o maior atestado dessa mudança radical talvez resida exatamente aí: a Globo, ainda que no Globoplay, tão arraigada e propagadora da temática nacional, exibindo aquilo a que tanto se opôs por décadas em termos de estética e narrativa: a telenovela mexicana”, completa Alencar.

Reprises e dublagem como marca
As três produções fortemente associadas ao SBT – A Usurpadora, por exemplo, foi exibida sete vezes pela emissora – entrarão até o fim do ano no catálogo da plataforma, com a mesma dublagem exibida na TV de Silvio Santos. Essa questão, aliás, é crucial no acolhimento por parte dos fãs de novelas. Qualquer mudança gera descontentamento, e pode frustrar a intenção do canal de conquistar um novo público.

Uma espécie de aquecimento para a chegada dos teledramas mexicanos foi a estreia, há pouco mais de 20 dias, do remake de Rubi, produzida pela emissora mexicana Televisa em duas ocasiões, 1968 e 2004, inspirada no original de Yolanda Vargas Dulché. A versão dos anos 2000 foi exibida pelo SBT três vezes.

Agora, a história da menina pobre que passa por cima dos sentimentos da melhor amiga para conquistar seu noivo cheio de dinheiro aparece em formato de série filmada em 2020, com 26 episódios e adaptação do roteirista venezuelano Leonardo Padrón. O remake integra o projeto Fábrica de Sueños, da Televisa, que pretende transformar folhetins de sucesso em séries.

De acordo com a Globoplay, que exibe o remake com exclusividade no Brasil, Rubi ficou em primeiro lugar entre as séries na primeira semana de sua exibição, superando títulos americanos como The Big Bang Theory e The Good Doctor. Para a head de conteúdo do Globoplay, Ana Carolina Lima, a plataforma recebe essas novelas mexicanas “naturalmente”. “A relevância dos conteúdos é um dos pilares do nosso portfólio. Títulos que fizeram sucesso em outras plataformas não são uma novidade para nós. No ano passado, por exemplo, trouxemos para nosso catálogo a série Todo Mundo Odeia o Cris”, diz a executiva, referindo-se à comédia americana produzida entre 2005 e 2009 e que, na TV aberta, foi exibida pela Record.

Ana Carolina afirma que a plataforma tem uma curadoria que pesquisa conteúdos que respondam aos anseios dos assinantes. “Isso nos permite não só atender às demandas do público como também surpreendê-lo”, diz.

Ainda segundo a executiva, A Usurpadora, Maria do Bairro e Marimar fazem parte de um pacote que a plataforma fechou com a Televisa que inclui ainda as séries mexicanas Sem Medo da Verdade (cuja primeira temporada estreou em 28 de junho) e as novelas Império de Mentiras, Amar a Morte e Cair em Tentação, todas inéditas por aqui.

Outros conteúdos latinos entrarão em breve na plataforma, como El Bronx, série policial colombiana, e Operação Pacífico e Marido de Aluguel, da Telemundo, rede americana de língua espanhola. A última é um remake da brasileira Fina Estampa, de Aguinaldo Silva, produzida pela Globo em 2011. Todas já absorveram a linguagem das séries americanas e trazem produções mais caprichadas para atrair o público do streaming.

Segundo o especialista Mauro Alencar, México, Argentina e Cuba foram os pioneiros no gênero telenovela e, por isso, é possível afirmar que a América Latina criou o formato que conhecemos. As produções brasileiras sofreram, em um primeiro momento, forte influência das produções cubanas e argentinas – dessa última, veio a estrutura de novelas diárias, sendo a primeira aqui, 2-5499 Ocupado, da TV Excelsior, em 1963, uma adaptação de Dulce Santucci para a argentina 0597 da Ocupado, criada pelo argentino Alberto Migré.

Na virada das décadas de 1960 para a de 1970, a TV Globo promoveu a nacionalização das novelas, com a renovação da linguagem e a modernização da produção, com a inserção de questões sociais na trama, a adaptação de clássicos da literatura, a busca pelo público mais jovem e a variação de cenários geográficos.

“À medida em que a novela brasileira foi construindo sua própria linguagem e aderindo à brasilidade, era natural o afastamento das raízes latinas. Características mais matizadas na construção de personagens, utilização do espaço geográfico urbano e rural e, muito especialmente, as questões sociais e a História do Brasil como pano de fundo das tramas transformaram a telenovela em produto genuinamente nacional”, afirma Alencar, que cita novelas como Véu de Noiva, Verão Vermelho e Pigmalião 70 como pioneiras nessa revolução.

Para Alencar, por razões históricas, a sociedade mexicana se ergueu pela chamada cultura do sofrimento e, por isso, era preciso criar quase que uma nova realidade nos meios de comunicação de massa – o que, por aqui, é classificado como dramalhão.

“A base mexicana, pela própria formação sociocultural do país, é o drama por excelência. Portanto, em sua grande maioria, são novelas mais dramatizadas, menos naturalistas. Não significa que todas sejam assim. Mas é a característica mais marcante. E a mais exportada.”

Entre as que entrarão no catálogo da Globoplay, ele destaca A Usurpadora, de 1998, com a estrela mexicana Gabriela Spanic no elenco. Já Maria do Bairro e Marimar trazem como protagonista a atriz e cantora Thalía, que conquistou fãs aqui no Brasil. Nessa lista, faltou Maria Mercedes – elas formam uma espécie de trilogia.

A opção de Silvio Santos pelas novelas mexicanas vem de longe e junta preferência pessoal com redução de custos. A primeira que sua emissora exibiu, já com muito sucesso, foi Os Ricos Também Choram – os títulos sempre foram uma atração à parte –, de Inés Rodena. Em 2005, SBT fez uma versão brasileira da trama.

O roteirista Henrique Zambelli adaptou três novelas mexicanas para a emissora depois o SBT firmou um contrato com a Televisa, no início dos anos 2000, para fazer versões de suas tramas. Zambelli assinou o texto de Pícara Sonhadora (2001), Amor e Ódio (2001) e Marisol (2002). Ele lembra que a ordem de Silvio era não mexer na história. “Há um mito de que a Televisa supervisionava tudo, que não deixava mexer. Não é verdade. Era o Silvio que pedia que a história fosse a mais fiel possível à original. A mentalidade dele era ‘se fez sucesso dessa forma em vários países, aqui também fará’”, conta.

O trabalho nem sempre era fácil. Muitas vezes, o que Zambelli tinha disponível eram os scripts que eram distribuídos para os atores ou a guia para os dubladores. As orientações de cenas e cenários nem sempre estavam nesses papéis. A solução era assistir às fitas originais, em VHS. “Era preciso adaptar para uma linguagem mais coloquial e para a realidade brasileira. A linguagem original era muita rebuscada. Se apenas traduzisse, soaria muito falso. Pareceria uma novela de época”, conta Zambelli.

Uma das principais mudanças que ele teve de fazer foi com o personagem Chico, de Marisol, que, no México, era toureiro. Aqui, ele virou jogador de futebol e foi interpretado pelo ator Rodrigo Lombardi. A personagem título coube à Bárbara Paz, à época, recém-saída do reality show Casa dos Artistas.

Para Zambelli, as novelas mexicanas sempre sofreram preconceito, apesar de serem adoradas pelo público. “Há 16 anos que não trabalho mais com isso. Porém, não há uma semana que alguém não escreva para comentar sobre as obras que adaptei, que me marque no Instagram”, diz. “Novelas mexicanas são contos de fada. O público gosta disso. Elas não têm o peso de ter compromisso com a realidade.”

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