O Lado B da Literatura
Edna Domenica, a escritora de textos ficcionais
Publicado
em
Retratei perfis interessantíssimos, mas o da poeta e escritora Edna Domenica conseguiu superar todas as expectativas. Que ser humano maravilhoso é essa mulher, que parece saída da telona sobre uma senhora que é capaz de enfrentar as tropas fascistas para trazer a luz da sanidade.
Tenho cá meus hábitos, e um deles é dar espaço à fala do retratado do dia.
“Ser escritora de ficção, no Brasil, é algo situado longe de único ganha pão. Até os anos 1980, os livros paradidáticos foram uma renda extra do orçamento de alguns professores paulistanos que conheci lá e então, no exercício dos papéis de professora de Língua Portuguesa, coordenadora pedagógica e supervisora escolar, no decorrer da carreira de 32 anos.
Nos anos 2010, em Floripa, me deparei com grupos de escritores reunidos em associações. As produções daqueles autores “brancos”, em geral, não me encantavam pela sua qualidade estética. No entanto, representavam um movimento cultural de preservação de memórias e de contar e cantar as belezas da terra e as crendices populares traduzidas nas histórias de bruxas.
A partir de 2013, me afastei dessas associações – cujos membros eram de escancarada posição político partidária de extrema direita – e iniciei o trabalho voluntário de professora de oficinas de escrita criativa. Dei a público os planejamentos de cursos semestrais, escrevi sobre as dinâmicas empregadas e divulguei os textos produzidos pelos alunos, dando-lhes páginas individuais para acumular suas produções. Incentivei-os a criar seus próprios blogs.”
E quem diria que a nossa querida Edna Merola possa ser discriminada? Como já dizia Dorival Caymmi, “quem não gosta de samba, bom sujeito não é. É ruim da cabeça ou doente do pé” E peço permissão para acrescentar: “E quem não gosta da Edna Domenica é a turma da Terra plana.”
“Em 2016, comecei a notar que estava sendo discriminada por conservadores, dentro da instituição onde prestava serviço voluntário. Considerei, ainda, que ser guardiã de textos de pessoas idosas implicava ainda de ter que me ver com herdeiros, num futuro não tão distante. Outrossim, a quantidade de textos era enorme. Eu era a única revisora de tais textos e algum erro que passasse “batido” podia dar corda para minha própria forca.
Devido a tais pressões, eliminei dos meus blogs os textos de alunos produzido a partir das oficinas realizadas nos anos 2013, 2014, 2015, 2016 e 2017. Era um acervo muito bonito, já que cada aluno tinha páginas individuais num dos meus blogs. Como havia atividades de criação coletiva, naquelas oficinas, “salvei” apenas as publicações que reúnem frases ou textos escritos por mais de um participante das Oficinas Literárias. Em “Carta de uma blogueira coruja” consta esse registro. Tal texto pode ser lido em NETIATIVO: Carta de uma Blogueira Coruja. Edna Domenica Me-rola.”
E não é que a talentosa autora Edna tem também seu lado B? Sim, isso aí!
“… meu lado B é o de participar de encontros de leitura de textos de autores presentes. Esse lado B, caso haja interesse, organiza coletâneas com outros autores a partir de um tema. O processo de criação de cada um é beneficiado por encontros via “lives” nos quais lemos e comentamos nossos textos. As publicações são “bancadas” pelos próprios membros que se comprometem a comprar pelo menos uma cota de exemplares. Os trabalhos de capa e de diagramação algumas vezes são feitos por participantes do próprio grupo, outros são remunerados. Os custos de ficha catalográfica, ISBN e impressão são facilmente contratados numa gráfica.
Sei que meu lado B é anarquista. Mas valorizo o trabalho de editoras e avalio as dificuldades que enfrentam para se manter num país em que a maioria vota em candidatos que propagam o desprezo pela pesquisa, pelos professores, pelas instituições como a escola pública laica, civil e de qualidade e a universidade pública com cotas para os povos originários e prova do ENEM.
Repito que “sei que meu lado B é anarquista”. Em 2004, defendi a dissertação de Mestrado – Psicodrama e psicodramatistas no Brasil: 1963-2003 – que tem por mote a análise das publicações brasileiras sobre Psicodrama. Sei que meu lado B é puro idealismo utópico que se consolida na prática de ensinar/aprender sem custos monetários institucionais à revelia da idade de quem aprende-ensina, apesar do etarismo.”
Para fechar com chave de ouro, vou deixar aqui um pequeno bate-papo que tive com a minha jovem colega Cecília Baumann, que muito me auxilia com O Lado B da Literatura.
– Ceci, quantos perfis ainda temos para O Lado B?
– Hum, Condé, acho que uns 15. Por quê?
— Tudo isso?
– O povo parece que gosta da sua coluna.
– Hum… Escolha um para ser o próximo.
— Que tal a Edna Domenica?
— Edna Domenica?
— Sim. Ela é a melhor!
………………………….
Cassiano Condé, 81, gaúcho, deixou de teclar reportagens nas redações por onde passou. Agora finca os pés nas areias da Praia do Cassino, em Rio Grande, onde extrai pérolas que se transformam em crônicas.
