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Difícil opção

Escolha do eleitor está entre Barrabás ou Judas

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Autor/Imagem:
Mathuzalém Junior* - Foto Reprodução das Redes Sociais

É triste, mas é o que temos. Por obra e graça de nossas escolhas, a realidade que enfrentamos é de uma república de quinta categoria. Viramos piada até nas coisas sérias. Semana passada, em Pernambuco, durante a exibição da Paixão de Cristo, o centurião indagou sobre quem deveria libertar: Jesus Cristo ou Barrabás. Da plateia, um gaiato gritou: solte os dois e prenda… As reticências são deliberadas, pois, no caso em questão, o pedido de prisão a ser atendido seria o do grito mais alto. Ou seja, poderia ser fulano ou ciclano. Em se tratando de Nordeste, não houve necessidade de medição dos gritos. Ocorreu uma maciça convergência a favor de fulano.

É óbvio que, apesar de conterrâneo, ciclano também recebeu alguns apupos. Natural que seja assim. Afinal, como a política não é um jogo de compadres, inexiste a hipótese de empate. A matemática é simples: para um ganhar o outro tem de perder. O problema do Brasil é que a conta está difícil de fechar. A maioria ainda não bateu martelo por esse ou aquele candidato por absoluta falta de crédito no palavrório de um e de outro. Na ausência de melhor opção, o eleitor sensato terá de optar entre Barrabás e Judas Iscariotes. Ou seria entre Barrabás e Pôncio Pilatos?

Duvidosa ou não, a história é pródiga e já esmiuçou a trajetória dos três. Portanto, desnecessário recontá-la com detalhes. Pelos escritos, o bandido Barrabás, escolhido para ser liberto em vez de Jesus, doente e maltrapilho, se arrepende diante da cruz em que Cristo foi crucificado. Judas foi um dos 12 apóstolos que, de acordo com os evangelhos canônicos, entregou Jesus aos seus captores por 30 moedas de prata. E Pôncio Pilatos, governador da província romana de Judéia entre os anos 26 e 36, ficou conhecido por ter sido o juiz que não interveio contra os fariseus na condenação de Jesus à morte na cruz.

Pelas tradições cristãs, era um ladrão e dois tiranos. Sobrou apenas um. E esse, mesmo sem se mostrar, até hoje nos comanda. Reiterando a tese de que não há compadrios na política, a escolha que nos resta é por demais simplória. Desprotegidos e abandonados pelos anjos do bem, metaforicamente estamos entre a cruz e a espada. No português escorreito, nos sobra um que muitos chamam de ladrão e outro que poucos insistem em não admitir a denominação de tirano. Sem medo de errar, mantenho o posicionamento de aceitar a ladroagem como forma de não conviver com a tirania. É triste, mas é o que nos resta.

Entendo que nada é mais prazeroso e subversivo do que o amor à liberdade. Entretanto, luto incessantemente por ela. Sei que o perigo e o prazer andam de mãos dadas. Por isso, às vezes flerto com a filosofia de que, eventulmente, fazer as coisas é bem pior do que apenas imaginá-las. Queria muito só pensar, mas prefiro a fertilidade de pensamento de Pablo Neruda, para quem “uma vez feita a escolha é preciso seguir adiante e confiar no seu próprio coração”. Difícil entender que, na ausência de beltrano e faltando menos de seis meses para as eleições, o povo ainda esteja em dúvida sobre fulano e ciclano. Difícil, mas natural. Em quem acreditar? Chamado de sua excelência somente de quatro em quatro anos, o eleitor demonstra cansaço por trabalhar de sol a sol para sustentar seus escolhidos, embora costumeiramente aplauda quem os faz penar.

O que passa na cabeça de quem ensopa babadores pelas centenas de representantes que consomem a maior parte da renda nacional? Mesmo gastadores, improdutivos, personalistas, oportunistas e pendulares, a turba não deixa de ser ovacionada e bajulada diariamente pelos adeptos do quanto pior, melhor. E pensar que Cristo morreu para nos salvar. Barrabás ou Judas Iscariotes? Eis a questão. Sem necessidade antecipada de fisioterapia na consciência, mais uma vez recorro a Pablo Neruda para dizer o que penso: “Você é livre para fazer suas escolhas, mas será eternamente prisioneiro das consequências”.

*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978

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