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Pintando a queda

Exército manda Ernesto baixar o tom com Maduro

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José Seabra

Na semana passada, quando esteve em viagem oficial aos Estados Unidos, o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, sinalizou que o Brasil estava pronto para ajudar qualquer iniciativa do governo de Donaldo Trump para tirar Nicolás Maduro do poder. Inclusive apoiando uma eventual invasão da Venezuela.

Ernesto fez coro com Trump. E endossou a tese de que se não sair por bem, Maduro sairá por mal. Neste fim de semana, porém, o chanceler foi advertido pela cúpula do Exército que as palavras devem ser mais comedidas. “É preciso cautela e moderação”, confidenciou um oficial de alta patente a Notibras.

A questão venezuelana atravessou continentes. Bateu nas portas da União Européia, China e Rússia. E vem justamente de Moscou – onde o presidente Vladimir Putin costuma armar Maduro com equipamentos militares altamente sofisticados – a repercussão de uma entrevista do cientista político Maurício Santoro, para quem há uma espécie de infantilidade na diplomacia brasileira sob o comando de Jair Bolsonaro.

“É claro que, por razões ideológicas, em vista do fato de que o governo brasileiro está buscando uma aproximação com os Estados Unidos, isso influenciou a forma como o Brasil reagiu à crise na Venezuela. Essa é uma questão muito difícil, um assunto muito delicado. Isso deve ser discutido com grande cautela, mas muitas vezes vemos que o Brasil está abraçando o entusiasmo infantil pelas declarações americanas, e isso é perigoso”, disse Santoro, professor da Uerj, em entrevista ao portal Sputniknews, da Rússia.

Na avaliação do professor, toda a retórica da Casa Branca contra a Venezuela deve ser vista como um instrumento de pressão política, como aconteceu recentemente com a guerra de palavras entre Donald Trump e o líder norte-coreano Kim Jong-un.

Se os EUA decidirem sobre uma invasão militar da Venezuela, quais seriam as ações do Brasil? A pergunta, objetiva e sem meias palavras, não surpreende o cientista político. Tanto, que Santoro enfatiza ser improvável que o Brasil obtenha apoio de seus vizinhos nessa empreitada. E essa é uma posição manifestada pelos militares.

“Se isso acontecer [uma invasão militar], mesmo que o governo Bolsonaro tenha essa intenção, para maximizar a virada do Brasil para os Estados Unidos, a percepção negativa dessa invasão será tão forte na América Latina que o Brasil acabará se afastando, mesmo com todo o desejo de uma parcela mínima do governo de ver algo assim acontecendo”, acredita Santoro.

A posição moderada imposta a Araújo é explicada pela influência dos militares no Ministério das Relações Exteriores, avalia Santoro.

“Nunca tivemos um chanceler que tivesse tratado um líder político estrangeiro com tanto (mal) entusiasmo. Se não houvesse essa pressão dos militares, não se sabe o que Araújo faria, qual seria a consequência. Mas, sem dúvida, as forças armadas valorizam muito a moderação e tentam restringir as iniciativas mais ardentes do governo na política externa”, disse o professor.

O que se sabe, nos círculos mais fechados do governo, é que os militares brasileiros estão “cuidando” do Ministério das Relações Exteriores, especialmente quando se trata da Venezuela. Pelo menos dois generais importantes estão constantemente conversando com Araujo para monitorar suas atividades.

Santo de barro – Os militares começaram a olhar de lado para o chanceler desde o início do governo Bolsonaro. Em 4 de janeiro, durante uma reunião do Grupo Lima no Peru, Araújo apoiou um documento no qual “a cessação da cooperação militar com o regime de Nicolau Maduro” foi mencionada em uma das cláusulas. Isso causou descontentamento entre os militares brasileiros, que aprenderam mais sobre a situação no governo de Maduro por parte dos militares venezuelanos do que por meio de canais diplomáticos.

A questão da implantação de bases militares dos EUA no Brasil, mencionada por Bolsonaro e apoiada pelo ministro Araújo, também preocupou os militares, que imediatamente consideraram essa medida supérflua e inadequada. Até mesmo o atual vice-presidente, general Hamilton Mourão, está agindo de forma a mudar a posição da política externa brasileira.

“Quando falo dos militares, incluo o vice-presidente nesta lista. Incluo o vice-presidente, de quem o Brasil pode precisar hoje, porque o Mourão morou na Venezuela, quando foi adido militar entre 2002 e 2004. E era um período bastante turbulento no início do chavismo”, lembrou Santoro.

Em algumas áreas do governo comenta-se que não apenas a ausência de apoio da posição ocidental, mas também a falta de experiência, estão afetando as atividades de Araújo.

A esse respeito, Santoro observa que Araújo nunca foi embaixador no exterior. E isso também o torna fraco em disputas internas. Também nesse aspecto os militares ganham vantagem, e sendo profissionais mais experientes, são capazes de exercer mais influência do que o próprio ministro das Relações Exteriores.

“Acredito que há duas opções possíveis: ou ele (Araújo) se torna uma figura mais moderada, perto dos pontos de vista dos militares, que podem trabalhar em conjunto com o ministro da Economia [Paulo Guedes], ou acho que ele será removido”, afirma Santoro, ressaltando que existe um conflito dentro do próprio governo entre os militares e a ala ideológica.

Considerando esse quadro, a avaliação é a de que Araújo está inclinado a suavizar sua posição com a Venezuela, enterrando seu conhecido trumpismo. A mudança de postura representará um papel importante para sua sobrevivência como ministro do Exterior. Ao menos no futuro próximo.

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