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Triunfo da estupidez

Extrema direita está impulsionando fascismo

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Autor/Imagem:
Daniel Vaz de Carvalho/Via Pátria Latina - Foto de Arquivo

Já ouvi dizer que não se pode ser de esquerda e ser inteligente. A isso respondo com Brecht: “os inteligentes (eu diria talvez, os espertos) não se juntarão à luta do povo, mas os mais inteligentes, sim”.

Inteligência é a capacidade de compreender e interpretar. O seu contrário é a estupidez, a incapacidade de compreender e interpretar. Como homo sapiens sapiens (e não só) todos os seres humanos são dotados de inteligência, do que falamos é de inteligência funcional. Aquilo de que falava Ortega y Gasset, acerca do especialista, “não é um sábio porque ignora formalmente o que não entra na sua especialidade, mas também não é um ignorante (…) Em política, em arte, nas outras ciências tomará posições de primitivo, de ignorantíssimo, mas toma-las-á com a energia e suficiência de um sábio, sem admitir – e isto é paradoxal – especialistas destas coisas.”

Esta inteligência nada tem que ver com erudição, como disse Saramago ao receber o Nobel da Literatura: “O homem mais sábio que eu conheci (o seu avô) era analfabeto”. A erudição pode não passar de variações sobre o que dizem o New York Times, Wall Street Journal, Financial Times, etc, é o que vemos constantemente nos “comentadores”. Mera escolástica, em que a erudição se avaliava pela “qualidade” dos “comentários” aos escritos dos mestres, ou então gongorismo, o discurso oco recheado já não de latinismos, mas de anglicismos e “pensamentos subtis”.

A associação de ideias é a base do raciocínio e da capacidade de exprimir significados, em primeiro lugar sobre o que afeta o ser humano. E aqui chegamos: o obscurantismo, a passividade conduz à estupidez funcional no que diz respeito aos comportamentos sociais e políticos. Incapacidade de compreende e interpretar, dado basear-se em informação falseada que oculta ou deturpa factos e na perda da memória. É nisto que se baseia a política de direita, é isto que leva as pessoas a votarem politicamente contra os seus interesses.

Passa-se a ideia que a Revolução de 25 de ABRIL foi um período de caos e desordem. Se a houve, foi causada pelas tentativas de golpes de Estado da extrema-direita e pelos ataques do pseudo revolucionarismo de extrema-esquerda, objetivamente aliada da direita. Com a cumplicidade da social-democracia e neutralidade colaborante até certo momento do PS, entre maio de 1975 e meados de 1977 foram cometidas pela extrema-direita quase 600 ações terroristas, bombas, assaltos, incêndios, espancamentos, atentados a tiro, contra militantes de esquerda. Mais de uma dezena de mortes, dezenas de feridos, milhares de pessoas perseguidas, aterrorizadas, às quais ou às famílias não foi dada qualquer compensação ou satisfação.

A revolução do 25 de abril foi um período de conquista de direitos sociais e melhoria das condições de vida. Um período de construção de uma democracia avançada, participação coletiva, vida sindical. Ao contrário do que se faz passar nos media, mesmo face à crise capitalista da altura, em termos económicos o país comportou-se muito melhor que o esperado, como o FMI foi obrigado a reconhecer. O descalabro veio depois com a recuperação capitalista e destruição da reforma agrária. É isto que deve ser mencionado ao atentarmos no truculento discurso da extrema direita que usa para disfarçar ao que vem.

E ao que vem é simplesmente impor um neofascismo. Poucos devem ter lido os seus programas. O primeiro, entretanto, substituído, era tão radicalmente neoliberal que se tornava ridículo pelo absurdo das suas pretensões. O segundo, mais reduzido e elaborado, no essencial é praticamente decalcado de discursos dos primeiros tempos salazaristas. O fascismo atual aparece sempre que possível, mascarado de “democracia” (a oligárquica) e liberdade. Também o fascismo salazarista na sua Constituição tinha inscrito a “liberdade de reunião, associação e expressão”, suprimida por leis de “segurança”. Depois de 1945 foram instituídas “eleições livres” – sabemos (infelizmente) o que está farsa representou para o povo português: mais repressão.

Para a extrema-direita se expandir é necessário denegrir e distorcer os factos e liquidar a memória progressista do 25 de abril, que odeiam tal como todas as experiências de socialismo. Que uma certa “elite” com laços ao passado fascista e gente diretamente ligada à oligarquia seja contra, é lógico. Há os que são de direita para defender os seus interesses e os que são por ódio ao proletariado com consciência de classe. Neste contexto, procura-se liquidar a consciência social do proletariado transformando-o em lumpen: são contra a esquerda, mas usufruem de direitos laborais e sociais conquistados por duras lutas em primeiro lugar dos militantes comunistas e de trabalhadores apoiados pelos seus sindicatos de classe, que a direita iria eliminar como já tentou no governo PSD/CDS.

O discurso da extrema-direita é contra os “políticos”, mas não contra as políticas, favorecendo e ilibando a oligarquia. Os deputados são atacados como tal, não pelo que concretamente propõem, aprovam ou rejeitam. Promove-se a redução do número de deputados, para tornar irrelevante a oposição às políticas de direita e defraudar o sufrágio universal. Gente ignorante ou de má-fé, compara o número de deputados em Portugal com os do poder central em Estados federais ou regionalizados. Trata-se encenar uma forjada indignação para denegrir a democracia, tentando tornar as pessoas disponíveis para absorver o que o despautério populista apresenta como como solução.

A extrema-direita é mais uma consequência da persistente crise capitalista e do agudizar das suas contradições. É o resultado em termos ideológicos de anos de calúnias contra tudo o que mesmo com leves traços progressistas pusesse em causa privilégios do grande capital e de paranoia anticomunista. Os que puseram em prática políticas de direita e neoliberais, contra os interesses populares e a soberania nacional, andaram chocar o “ovo da serpente” fascista.

O vírus fascista encontra campo fértil na frustração social que atinge muitas pessoas, revoltadas, desinformadas e impotentes perante as políticas de direita postas em prática. Os media promovem este estado de espírito, dado que a alternativa libertadora através de consequentes políticas de esquerda não é divulgada nem esclarecida, pelo contrário omitida, deturpada, caluniada.

A ignorância política, a promoção do individualismo afasta as pessoas do que socialmente lhes diz respeito, fomenta personalidades antissociais, propicia a adesão a teses da extrema-direita. O reformado ou o trabalhador desinformado, com algumas centenas de euros por mês, no limite da pobreza e exclusão social, acaba por se revoltar contra o que recebe, alinhando pela insídia a favor de partidos que lhe retirariam ainda mais direitos e rendimentos. Já então escreveu Eça de Queiroz em “Os Maias”: “Sabe Vossa Excelência qual é o nosso mal? Não é má vontade dessa gente; é muita soma de ignorância. Não sabem nada. Eles não são maus, mas são umas cavalgaduras! ”

O fascismo, os fascismos, são capitalismo. São formas de organização política e social a que o sistema capitalista recorre para garantir a sua lei económica fundamental: a maximização da taxa de lucro monopolista. Sem este sistema ser substituído, a possibilidade de retorno a formas fascistas está sempre presente. Em nome da “economia de mercado” ou da “democracia liberal” foi dada liberdade praticamente total ao grande capital, reprimindo os trabalhadores, atacando o sindicalismo das formas mais soezes, promovendo o corporativismo da “concertação social” que a direita coloca acima do parlamento. Tudo isto evidencia a tendência do capitalismo se encaminhar para formas fascizantes.

A extrema-direita diz ser contra o sistema, mas faz suas as reivindicações da oligarquia. É contra a progressividade dos impostos, quer um imposto único sobre o rendimento e toma como preferencial os impostos sobre o consumo, uma ideia perversa para os menores rendimentos, vantajosa apenas para os mais ricos.

Graças às políticas de direita, Portugal é dos países de maior desigualdade na distribuição da riqueza: em 2017, 10% das famílias com maior riqueza liquida detinham 53,9% da riqueza total das famílias, as 50% mais pobres 8,1%. Em Portugal, segundo informação em 2016, os mais ricos entre os ricos não pagam os impostos devidos e o prejuízo para o Estado estimava-se na ordem dos 3 mil milhões de euros!

É este o sistema que pretendem aprofundar seguindo o exemplo dos EUA (o país mais desigual) em que um punhado de ultra ricos possui mais riqueza combinada da metade da população. Toda a classe dominante capitalista viu a sua riqueza crescer nos últimos anos e pagaram pouco ou nada de impostos, enquanto os trabalhadores e suas famílias perdem empregos, casas e saúde. Uma condição destrutiva e insustentável que viu os abismos de desigualdade e pobreza crescerem em praticamente todas as sociedades ocidentais.

A questão do salário mínimo, mostra como por maiores lucros que o grande capital obtenha tem sempre argumentos em nome da “economia” (chamam “economia” aos interesses oligárquicos) para o relativo – ou mesmo absoluto – empobrecimento dos demais. Como a CGTP mostrou, para manter o poder de compra de quando foi criado em 1974, devia agora andar pelos 960 euros! Eis por que a oligarquia precisa da extrema-direita, como cão de fila contra a esquerda consequente.

A extrema-direita é contra os apoios sociais do Estado, afirmando a boçalidade de que metade do país anda a trabalhar para a outra metade. Não, 99% do país anda ou andou a trabalhar para os 1% que fogem descaradamente aos impostos. Perante isto, o que perspectivam é o aumento de pobreza – como se viu no governo PSD/CDS – com um regresso à “caridadezinha” salazarista, com a “assistência aos carenciados” a ser feita pelas associações de beneficência, igrejas, empresas (!?), autarquias locais, competindo ao Estado o papel de auxílio supletivo. (?)

A extrema-direita assume frontalmente outro objetivo da direita: anular ou reduzir ao mínimo um direito do 25 de abril, o generalizado direito à pensão de reforma substituído por arranjos privados e poupança pessoal (incluindo a dos mais pobres e dos trabalhadores precários, certamente!).

A direita e as diversas faces da extrema-direita, umas mais truculentas outras mais snobes, estão unidas na defesa da oligarquia, estão ao serviço dos mesmos senhores, a diferença é mais na forma que no conteúdo. Procuram ofuscar as relações sociais que integram os seres humanos, como o marxismo afirma, exacerbando o individualismo como “liberdade”, visando suprimir a democracia participativa, isolar os cidadãos, tornando os trabalhadores meras mercadorias, para que em lugar da participação coletiva e vida sindical, prolifere um desenraizado lumpen proletariado.

A direita e a extrema-direita querem no essencial as mesmas políticas. A direita pretende concretiza-las através das “reformas estruturais” enquanto a extrema-direita quer leva-las ao limite, de forma radical e a mais possível imediata, se necessário pela força – o Estado securitário e justiceiro – eliminando constrangimentos constitucionais. PSD e CDS estiveram lá muito perto, com o ir para além da troika.

A mistificação é que, por muito liberais e “conservadores” que queiram parecer, nem uma palavra dizem como iriam contra a finança especuladora e a infame “concorrência fiscal”, predadoras da riqueza criada pela força de trabalho, enquanto o sistema monopolista é defendido com o disfarce de “famílias e empresas”.

Uma medida tão evidente como taxar as transações financeiras e controlar os paraísos fiscais, mesmo sem pôr em causa o sistema capitalista é combatida tenazmente ao mesmo tempo que os países são atacados pelos défices públicos, precisamente pelos que se aproveitam deste sistema iníquo.

Se há algo que a pandemia mostrou é que as teses do “menos Estado” e de privatizar as funções sociais do Estado estão ainda mais desmascaradas do que antes face à crise capitalista de 2008, nunca resolvida e que se agravava mesmo antes da pandemia.

Os países onde a extrema-direita se instalou, foram cenários de crises e repressão extremas. Com as bandeiras anti-corrupção e eficiência económica, semearam misérias, perseguições, crimes políticos, economias destroçadas e totalmente endividadas, obscenas desigualdades, corrupção contra bens públicos. O Chile sob Pinochet foi, a partir dos EUA, um laboratório das políticas neoliberais, mas os exemplos sobram por toda a América Latina, ou na Indonésia de Suharto, ou na África de Mobuto e outros que tais.

O Brasil com Bolsonaro é mais um exemplo da extrema-direita no poder. Há alguns anos o Brasil era a sexta maior economia do mundo agora é a 12ª, controlada por uma máfia de interesses, que o ministro neoliberal e pinochetista Paulo Guedes foi gerindo. A Amazónia a ser destruída, população indígena exterminada como uma guerra étnica, sem falar na guerra contra os negros e pobres das favelas. É uma tragédia o que acontece no Brasil, mas é basicamente o que acontece sempre que a extrema-direita atinge o poder.

Na Europa o exemplo da Ucrânia é conclusivo sobre as virtudes da extrema-direita, neste caso nazifascista. Mesmo em1991, era uma das repúblicas mais avançadas da URSS. Alto nível educacional, desenvolvimento científico e tecnológico, industrializada, agricultura desenvolvida. O “horror” era não haver lugar para oligarcas monopolistas, latifundiários e transnacionais. Em1991, 70% da população votou a favor da manutenção da URSS, os “democratas” como Gorbatchov e Ieltsin consideraram o resultado “não vinculativo”. Em 2018, sob tutela dos EUA/NATO a dívida ascendia a 76,3 mil milhões. A sua população passou de 51,5 milhões, para 36 milhões, com 7 a 8 milhões a trabalharem fora do país, sujeitos a serem mais explorados que os locais e desprezados como emigrantes. Em 2017 registaram-se 496 mil crimes. Em 1990 havia 313 mil cientistas com um estatuto de topo na sociedade, em 2017, 94 mil mal pagos; o pessoal médico e de enfermagem passou de 607 mil para 367 mil, etc.

As políticas de direita mostraram a sua completa falência económica, financeira, social, ambiental e colocam a paz cada vez mais em perigo. Face a estes falhanços, poder-se-ia pensar estarem criadas as condições para a substituição do sistema capitalista. Quanto às condições objetivas, sim existem e há muito, mas não as subjetivas.

Se não fosse a audiência que lhes é concedida direta ou indiretamente pelos media, as políticas da direita e extrema-direita não passariam de mera ignorância e obscuras elucubrações. Mas os “comentadores” nunca analisam as causas, escamoteiam-nas ou deturpam-nas, servem-se dos seus efeitos para criticar tudo o que tenha um aspeto progressista. A emoção negativista, impede a análise racional, que seria a forma de se encontrarem respostas consistentes.

Agitar a indignação na superfície das coisas é a forma de esconder o poder oligárquico e seus procedimentos. O objetivo é estabelecer o descrédito das instituições democráticas, desorientar as pessoas com a ideia de um incontrolado laxismo, de modo a favorecer o aumento de poder da oligarquia.

Como é possível que proletários apoiem ou acreditem numa extrema-direita, que os despreza, reprime, liquida direitos, os atira para a pobreza, mas capazes de se voltarem contra aqueles que com lutas e sacrifícios a seu favor permitiram os direitos democráticos e laborais que usufruem? É a tragédia da alienação. Quando a consciência de classe é suprimida, camadas sujeitas à exploração, pobreza e perda de direitos, acabam votando em forças que promoveram e promovem estas situações.

O que a extrema-direita tem para oferecer é um mundo repressivo, de desigualdades, baseado no racismo (negros, ciganos, emigrantes), no obscurantismo e recalcadas mentiras sobre o socialismo, ódio ao humanismo marxista, para o qual não têm limites as calúnias. Os emigrantes fugidos aos horrores dos conflitos do imperialismo, a fome no mundo, a miséria em África ou na América Latina, são na realidade inerentes ao sistema que defendem.

Este clima prepara sentimentos negativos até ao ódio contra as forças progressistas, o socialismo, os comunistas. Tudo isto é uma tragédia que tem que parar. É cada vez mais urgente o esclarecimento militante.

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