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Violência gratuita

Extremismo político devolve nossa sociedade à pré-história

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Autor/Imagem:
Wenceslau Araújo - Foto de Arquivo

Sou um patriota ufanista, daqueles que verdadeiramente amam seu país. No entanto, estou muito distante dos chauvinistas, conhecidos pelo patriotismo exagerado, agressivo e fanático sem exagero. Ultrapassado, esse ufanismo nacionalista ou euforia em excesso grassa em nossos dias como uma doença contagiosa. É um preciosismo que beira o fundamentalismo, denominação da corrente que prega obediência rigorosa e literal a um conjunto de princípios. Desgraçadamente, no Brasil e em boa parte do mundo esse conceito está instalado na economia, na política, na educação e em outras instâncias da vida humana.

Na Terra Brasilis, sua utilização vai além do bom senso, pois tem servido para justificar atitudes religiosas e políticas contra grupos antagônicos. Formalmente definido em 1920 pelo pastor americano Curtis Lee Laws, contrário ao segmento protestante liberal de fins do século XIX, o termo tem características bem simples: todos temos de acreditar nos dogmas como verdade absoluta, indiscutível. Não existe a premissa do diálogo ou do debate. Como se grupos financiados e armados estivessem dispostos a recuperar territórios perdidos, os ares vividos hoje são puramente de batalha. É uma absurda reação à teologia do modernismo.

O fato é que, no Brasil, as antigas brigas teológicas migraram para a ideologia e, com rapidez de uma eleição, chegaram à política partidária. A adesão a esse tipo de crença normalmente incita a intolerância, que, invariavelmente, é seguida de práticas violentas. Infelizmente, nossos extremos não conseguem diferenciar a defesa de doutrinas e dogmas religiosos e políticos de ações deliberadamente voltadas para a violência gratuita. O resultado é tão cristalino como nosso céu, hoje encharcado de brigadeiros, generais, almirantes, cabos e soldados.

Sem exageros, nos devolveram veladamente à pré-história, isto é, a uma sociedade pré-moderna. Ao que parece, ou nos acostumamos ou teremos de ajustar contas com um certo fanatizador. Estamos bem próximos do que viveram os Estados Unidos com a Ku Klux Klan e a Irlanda do Norte com o grupo terrorista IRA. Com caráter de seita, a KKK misturava ideologia raciais e eugenistas (crença na possibilidade de melhorar a qualidade genética da população) com protestantismo puritano. O IRA, cuja luta era alimentada exclusivamente por um discurso político misturado com o viés religioso, tinha por objetivo a separação da Irlanda do Reino Unidos.

Como alento e, sobretudo, como indicativo para nossos fundamentalistas, os absurdos sonhados pela KKK e pelo IRA não prosperaram: naufragaram em mares serenos e sérios. Assim seja. Assim será. Imagino que tenha viajado na maionese nesses primeiros parágrafos. Na verdade, tenho certeza. Todavia, a sinuosa divagação teve por objetivo reduzir a adrenalina dos meus três últimos dias de expectativa com o debate entre Emanuel Macron e Marine Le Pen, ambos candidatos à Presidência da França, ele representante da esquerda e ela líder da extrema-direita francesa. Confesso que, tomando o Brasil como exemplo, temi pela vida de um ou de outro. Ficaram só na troca de acusações.

Feliz com o que vi e ouvi, percebi que, nos países sérios, os adversários não são necessariamente inimigos. Melhor de tudo foi a certeza de que há vida além da política. Uma pena, mas, como na terra descoberta por Cabral faz tempo que um candidato foge dos debates, talvez nunca saibamos o que um presidenciável teria a dizer ou cobrar do outro. Claro que me refiro aos postulantes com chances de vitória. Dizer o que, já que nada sabem ou nada querem saber; cobrar o que, já que os desvios de conduta de um são tão grandes ou maiores do que os do outro? No fim e ao cabo, melhor não sabermos, pois correríamos o risco da obrigação de descarregar todos os votos possíveis no macaco Tião. Pelo menos não teríamos do que reclamar. Na atual quadra, melhor sorrir do que chorar mais quatro anos.

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