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Arrego forçado

Feitiço do golpe fracassado volta ao colo do aprendiz de feiticeiro

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Autor/Imagem:
Mathuzalém Junior* - Foto de Arquivo

Perdoem-me os religiosos, ateus e agnósticos, mas não acredito em uma linha da “Declaração à Nação”, divulgada nessa quinta-feira (9), após um 7 de setembro de insurreições, agressões, insultos, ameaças, intimidações e outras bobagentas ações antidemocráticas, popularmente rotuladas de golpistas. Encurralado dentro e fora do Brasil, tenho pouquíssimas dúvidas acerca da robustez do recuo. Depois da frustrada tentativa de golpear a nação no Dia da Independência, quando faltou público para referendar a ditadura que ele pensava instaurar, a ordem no Congresso, nos tribunais superiores e, acredito, no lado majoritariamente sério das Forças Armadas, passou a ser contê-lo, antes que o país fosse à bancarrota. Está quase lá, mas tem salvação.

Com certeza foi enquadrado por alguém ou alguéns. E não foi só o ex-presidente Michel Temer, cujo caminhão tem pouca areia para empreitada dessa envergadura. Aliás, o ex-presidente tampão já experimentou o que Jair Messias e filhos mais temem: a cadeia. Li por aí que a nota de socorro não é recuo coisa alguma. Trata-se na verdade de um habeas corpus para político à beira do precipício. Temer também é escolado nessa seara. Mas isso é coisa de futuro. Por agora, entendo ser muito tarde para qualquer desculpa. É irreversível o estrago com o Supremo Tribunal Federal, Tribunal Superior Eleitoral, com boa parte do Congresso e com os cidadãos de bem. Daqui por diante, nada do que ele disser sobre liberdade ou sobre Alexandre de Moraes, Luiz Roberto Barroso ou Luiz Fux soará como verdade.

Por isso, natural que os três ministros tenham reagido com ceticismo ao palavreado oficial do presidente da República. A nota foi vista por eles e pela união das torcidas dos principais clube de futebol do país como uma vã tentativa de fugir do isolamento. Tarde demais. Como confiar em um cidadão que chama outro de canalha em um dia e no outro o trata por excelência? Doidão ou medroso? A escolha é de cada um. Quem bate faz tudo para não lembrar, mas quem apanha sem razão releva, mas jamais esquece. Bolsonaro nega candidamente os ataques corriqueiros, desnecessários e gratuitos às autoridades que rezam por cartilhas diferentes. No entanto, qualquer menino ou menina do maternal I e II já ouviu ataques cabeludos do chefe do Executivo a outros poderes.

Por essas e outras, melhor esperar o desenlace dessa rocambolesca novela golpista, cujos capítulos normalmente são roteirizados nas “reuniões” do cercadinho e finalizados nas lives noturnas de quintas-feiras. Embora faça parte de sua estratégia de poder, tentar colocar panos quentes na confusão que ele mesmo criou não engana mais nenhum brasileiro com um mínimo de inteligência. Todavia, a tática do morde e assopra e do estica e encolhe corda começa a cansar seus próprios fanatizados seguidores. Felizmente não foi alcançado, mas o objetivo do 7 de Setembro era claro: parar o país e assumir pela força. Esqueceram de combinar com os russos. Deu tudo errado e o feitiço acabou virando contra o aprendiz feiticeiro. Emparedado pela milícia do transporte de cargas, cuja paralisação respingaria diretamente na economia nacional, teve de dar uma contraordem.

Em tese, o Brasil voltou à normalidade. Outra mentira, na medida em que o mundo inteiro sabe que fanáticos perdem uma batalha, mas não desistem nunca da guerra. Os cerca de 200 mil brasileiros fantasiados de patriotas certamente farão novas investidas. Difícil que tenham melhor sorte do que a do 7 de Setembro, quando a máquina publicitária do governo reuniu consideráveis multidões em algumas capitais, notadamente em Brasília e São Paulo, mas nada que sustentasse o planejado golpe. Eles têm consciência de que deram um tiro no pé. Sabem também que as principais vítimas do descontrole emocional e psíquico do capitão e do gado que ele comanda já já serão seus algozes. São exatamente esses os ministros donos das canetas capazes de livrá-los ou alocá-los em moradias individuais ou coletivas que eles já começam a imaginar.

Até lá, por conta dos arroubos e da falta de compostura do presidente, somos vítimas de chacota em todo o planeta. Viramos uma piada, algo bem abaixo da adjetivação república de bananas. Como bem disse o ministro Barroso, finalmente o país descobriu quem é o farsante. Parece que os populistas do governo do cercadinho devem parar de buscar inimigos para justificar o fracasso do abominável projeto golpista. Vale lembrar que, após numerosas patadas e xingamentos, até o presidente da China, Xi Jinping, deixou de ser comunista e passou a ser o amigo da vez. Tomara que os chineses não abram tanto os olhos e aceitem continuar como nossos principais parceiros econômicos. Tomara. Mesmo convicto que, depois de feita, cagada alguma retorna ao lugar de origem, acredito que Xandão jamais negará um pedido de arrego tão carinhoso. .

*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978

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