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Falência anunciada

Filhos de ‘boa senhora’, políticos negociam até alma

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Autor/Imagem:
Wenceslau Araújo* - Foto de Arquivo

Inspirador de boas histórias, o velho Aristarco Pederneira de Araújo não viveu o tempo necessário para acompanhar meu sonho etílico-erótico. Embora não tenha fincado raízes, participou de minhas andanças juvenis pela Rua Pinto de Azevedo, no quadrilátero conhecido como templo do amor. Para os leigos, posso garantir que o local era muito mais prazeroso do que os atuais templos evangélicos. Talentoso na prática reprodutória (foram 18 filhos homens), o velho viveu para dar trabalho às parteiras. Daqueles que jamais experimentaram qualquer tipo de recurso para conter meninos, meu avô usou camisinha uma ou duas vezes e, como dizia, exclusivamente por recomendação médica em favor de minha avó.

Lembro como se fosse hoje a resposta que ele deu ao médico quando indagado sobre o uso correto do protetor de bilau em desuso: “Claro doutor. Só tiro para mijar e para funhanhar”. Mais interessante foram as numerosas vezes em que ele confundiu a camisinha com touca de dormir. Saudades desse período em que sonhava ser também um empresário do amor. O sonho de adolescente quase consegui concretizar na idade adulta. Dei com os burros n’água pela ranhetice negociada e pela repulsa consentida de minha mãe e de minha sogra, ambas, infelizmente, já candidamente descansando no reino dos céus.

A nem tão genial ideia era negociar com o negócio dos outros. Quero dizer das outras. Vista pelas senhoras muito amadas como uma proposta religiosamente indecente, meu projeto era abrir uma casa de saliência pública, no estilo da Câmara dos Deputados. A diferença é que, para evitar os gritos das galerias, só abriria o negócio alheio fora do horário comercial. Bem próximo do registro final no cartório de CNPJs, o nome fantasia seria Casa de Facilidades São Judas Tadeu. Escolhi tal denominação porque entendia que precisava misturar o nome com o verbo dar, do tipo está dando.

Até as funções da mãe e da sogra já estavam fechadas. Uma seria operadora de caixa e a outra fiscal de pista, aquela que bateria de porta em porta anunciando o fim do serviço contratado. Só faltava definir qual delas faria o que. É claro que a empreitada imaginada para ser eterna não passou de um sonho pífio de verão. Antecipadamente, me imaginei quebrando na primeira fornada de clientes. E certamente não teria sequer oportunidade de experimentar o estoque. A mãe e a sogra nunca permitiriam tal abuso empresarial. Enfim, desisti porque não sou do ramo de abrir negócios. Prefiro os negócios já abertos.

Passadas algumas décadas, volto a lamentar pelo fechamento desabrido do negócio das moças. E hoje lamento e culpo o ministro da Fazenda de Luiz Inácio, Fernando Haddad, por não tê-lo conhecido naquele tempo não tão distante. Embora avaliem o negócio como sujo, soube de fonte limpa que o governo Lula analisa uma proposta de regulamentação das casas noturnas de prostituição. Não sei se as matutinas e as vespertinas estarão isentas da taxação. O que sei é que, diante da existência de cerca de 15 mil dessas casas clandestinas, o lucro do governo poderia alcançar R$ 2 bilhões ao ano. Em outras palavras, negócio e arrecadação da China.

A exemplo da política, eita negócio lucrativo essa tal de profissão mais antiga do mundo. A comparação da prostituição com a política é simples: são os únicos empregos que não exigem experiência anterior. Apesar da alcunha jocosa de meretrizes, elas merecem respeito e carinho pelo prazer que proporcionam. Aliás, não é demais lembrar que elas também geram filhos, os chamados filhos de uma boa senhora. São esses que viram políticos, traficantes, garimpeiros ilegais, golpistas e seguidores de Elon Musk. Do meu catre ou longe dele, sugiro aos falsos conservadores que, antes de chamar de prostituta a mulher que negocia o corpo, descubram uma denominação menos corrompida para os que vendem o caráter e a alma. Afinal, a pior prostituição é a que se ignora.

*Wenceslau Araújo é Editor-Chefe de Notibras

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