(Parte III)
Frankenstein, Prometeu, e o grande alquimista que rouba o fogo dos deuses
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É no subtítulo, O Moderno Prometeu, que Mary Shelley “entrega” a sua inspiração. Quem conhece o mito de Prometeu vai perceber a intenção da autora, o Dr. Viktor Frankenstein é um alquimista que tentará roubar o “fogo divino” da criação. E será duramente castigado! Na tradição alquímica, o alquimista muitas vezes era retratado como um transgressor, aquele que desafiava os limites impostos pela natureza e pelos deuses. Dr. Victor Frankenstein segue essa mesma trajetória. Desde o início, ele não busca apenas conhecimento comum, mas um saber que ultrapassa as fronteiras morais e naturais: a capacidade de criar vida a partir da morte.
Entre os alquimistas esse tema faz um eco ensurdecedor pelo simples fato das características que a Pedra Filosofal possui; imortalidade, vencer a morte voltando dela. É claro que uma busca dessa importância faz o alquimista lidar com a tensão entre pode e transgressão humanas ou a aceitação pura e simples da nossa mortalidade e finitude material. Personagens, geralmente falam pelos seus autores e a influência de alquimistas, como Paracelso e Agrippa, sugere que Shelley enxergava a ciência de seu tempo não como um rompimento com o passado, mas como uma evolução de antigas tradições esotéricas.
O livro foi escrito em um mundo e num tempo de grandes transformações científicas e filosóficas. Paradigmas e mitos sendo testados e quebrados continuamente. A autora, parecendo um oráculo, é de uma genialidade e visão de mundo futuro impressionantes, que por si só já valem a leitura. Vamos nos situar no tempo e no espaço, estamos em 1818. Vamos dar uma rápida passada sobre fatos importantes nesse período de dezoito anos. A Europa passou por situações marcantes, especialmente ligados às Guerras Napoleônicas e suas consequências. Em quinze anos Napoleão criou, literalmente, um caos na Europa e arredores. Essas alterações forçadas e forjadas pelas guerras Napoleônicas fazem os impérios e potências europeias redesenharem toda a geopolítica mundial, na qual a Inglaterra consolida seus poderes e área de influência. Culturalmente, o século XIX, tem na sua primeira e segunda décadas obras que irão moldar gerações.
Até 1820 vemos Goethe publicar a primeira parte de Fausto, Jane Austen publica Orgulho e Preconceito, e em 1816, conhecido como o “ano sem verão”, causado por uma erupção vulcânica, leva Mary Shelley a escrever Frankenstein que será publicado em 1818, cuja história reflete o impacto da ciência e da filosofia da época. O romance vai da antecipação de temas da ciência moderna com os ecos das antigas tradições alquímicas. Dr. Victor Frankenstein é o arquétipo do alquimista, aquele que irá desafiar as leis naturais em busca de um conhecimento proibido. Seu grande projeto, a criação de um novo ser, feito de pedaços anatomicamente separados de pessoas mortas e animado pela eletricidade é semelhante às práticas e os ideais da alquimia. Como já descrevemos, esse grande projeto remete ao Magnum Opus, a obra-prima da alquimia que levaria à criação da pedra filosofal e, consequentemente, à imortalidade da matéria humana.
No início do século XIX, a eletricidade era um mistério quanto às suas utilidades para a humanidade. Portanto sua comparação, e uso, como o equivalente ao “fogo filosófico” da alquimia era esperado. Alquimicamente, podemos interpretar esse “fogo” como o próprio conhecimento hermético e a força vital da criação. Ao roubar esse segredo da vida, Dr. Viktor cai no mesmo erro daqueles que buscavam criar homunculi ou prolongar a vida através da pedra filosofal. Em breve seu castigo e tormento virão na forma de uma existência marcada pelo horror e pelo arrependimento. Voltando à eletricidade, em breve ela se transforma em elemento essencial para a transmutação da matéria bruta em algo superior. Ideia mais do que razoável pois, na época a eletricidade era associada à força vital, e os experimentos com galvanismo de Luigi Galvani mostravam que impulsos elétricos causavam contrações musculares em organismos recém mortos.
Shelley se apropria dessa ideia e a mistura com a mitologia alquímica da ressurreição e da transmutação. Depois de alguns anos de estudos e reflexões, alquimistas e ocultistas observarão que o mais importante para a realização da Grande Obra, da jornada alquímica, não são as respostas e sim às indagações que fazemos. Ao perguntarmos se seria lícito ao homem imitar a divindade podemos aprender muito, desafiá-la ou não irmos além das divagações filosóficas. A alquimia sempre carregou um dilema moral: seria lícito ao homem imitar Deus? Victor não apenas desafia essa questão, mas também sofre as consequências. Sua criação se torna um fardo e uma maldição, assim como muitos alquimistas foram retratados como figuras que pagaram um alto preço por sua ambição. A jornada de Frankenstein reflete a narrativa de alquimistas lendários que, em sua busca pelo supremo saber, se viram presos a um destino de ruína e sofrimento.
A atemporalidade do romance se insere em uma longa tradição de reflexões sobre a vida, a morte e os limites do conhecimento humano. Ao explorar temas como a criação artificial da vida, a transgressão do alquimista e o poder da eletricidade como “fogo vital”, Mary Shelley entrelaça ciência e esoterismo, transformando sua obra em uma poderosa alegoria sobre as consequências da aplicação do saber proibido. A criação do monstro de Frankenstein pode ser vista como uma tentativa de realizar a Grande Obra sem compreender seus verdadeiros princípios. O romance de Mary Shelley reflete um alerta alquímico: a busca pelo domínio sobre a natureza, sem responsabilidade e sem transformação interior, leva à ruína. Victor Frankenstein não se torna um mestre da vida, mas um novo Prometeu acorrentado, punido por desafiar os mistérios divinos.
Você pode ler o romance, não apenas como uma história de terror gótico ou um precursor da ficção científica, mas também como um reflexo das antigas preocupações alquímicas sobre a criação e a natureza da existência. Assim como os alquimistas tentaram transmutar metais inferiores em ouro, Victor tenta transformar matéria morta em vida — e, ao falhar, nos lembra dos perigos da ambição sem limites.
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Marco Mammoli é Mestre Conselheiro do Colégio dos Magos e Sacerdotisas.
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