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De aprendiz a feiticeiro

Gado uruguaio ganha um sotaque lá de Piripiri

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Autor/Imagem:
José Seabra - Foto de Arquivo

Foi no século passado. Mais precisamente nas décadas de 70 e 80, quando Paulo Diniz deixou sua Piripiri para encantar o Brasil. Não que a sua voz fosse a de um barítono. Mas o que ele cantava o povo entoava junto. O artista, porém, ao deixar sua cidade natal, deixou a porteira aberta. E a ‘terra do canavial’ vê a passagem, hoje, de imensas boiadas berrando em sotaque portunhol.

É carne uruguaia, de primeira, para as bocas mais refinadas. E enquanto o intérprete e compositor piauiense ouvia um coral de milhões de vozes, aprendia-se, em outras plagas, a saga de como fazer boi mastigar cana sem que os aventureiros (perdoa-se aqui o trocadilho) entrassem em cana. Ao menos por ora.

O certo, alardeiam por aí como quem conta um conto aumenta um ponto, é que em meio às sombras da corrupção, surge uma história peculiar, onde o inusitado encontra a contaminação em aulas práticas de fácil, embora sujo, aprendizado. O assunto transporta para um indivíduo que, por ironia do destino, se vê envolvido em um comércio inesperado: o gado do Uruguai, que atravessa a fronteira lá no Chuí e divisas estaduais; faz uma pausa nas terras catarinenses para descansar e segue seu destino a meio caminho do Oiapoque.

Nos meandros da ganância e da ilegalidade, esse indivíduo, aluno bem-sucedido, supostamente anônimo como muitos de sua espécie, começou sua jornada como um típico corrupto: subornos, esquemas fraudulentos e enriquecimento ilícito eram seu modus operandi. No entanto, como toda trama digna de um conto surpreendente, seu norte (ou Nordeste) enfrentou lances inesperados.

Tudo teve início numa noite enevoada, em um daqueles encontros secretos em um restaurante luxuoso. A lição, obscura, foi dada com a facilidade com que uma professora ensina o bê-a-bá. A prova dos nove, literalmente, consistia na entrega de uma picareta, para viabilizar as picaretagens. Tendo lá em Piripiri a porteira aberta, abria-se, quase que, geograficamente, no meio do caminho, uma verdadeira mina de ouro. O vil metal, contudo, era representado por lobos-guará meticulosamente enjaulados e aquele peixe grande encaixado em uma mala, que mesmo não sendo uma Baleia Azul, dela tem a mesma cor.

Acertou-se que o vizinho Uruguai, famoso por sua pecuária, seria o palco para transações lucrativas. O corrupto, inicialmente hesitante, foi lentamente seduzido pela perspectiva de ganhos ainda maiores.

Assim, munido de sua astúcia corrompida e uma dose generosa de descaramento, ele se aventurou nos campos de Mujica. Lá, entre pastagens verdejantes e sob o olhar vigilante dos bois, nosso personagem, sujeito oculto, aprendeu os segredos do comércio de gado. Aprender a distinguir entre as melhores raças, entender os processos de transporte e até mesmo a arte de vencer as fronteiras sem levantar suspeitas tornaram-se parte de seu novo repertório.

A tarefa, é verdade, não era – como não tem sido – fácil. Mas a professora ensinou, em novas aulas, como ser um vestibulando de sucesso, capaz de promover alquimia com uma mistura de habilidades. Chegara a hora da logística refinada, conexões obscuras e uma disposição para correr riscos insanos. Mas nosso protagonista, agora transformado de mero corrupto a grande comprador de gado, abraçou esse desafio com uma determinação surpreendente.

As noites eram pontuadas, onde carretas transportando o gado atravessavam vias marginais pouco usuais, na tentativa de evitar os olhares curiosos das autoridades. E, como se desafiando as próprias leis da ironia, aquele que antes subornava agora era subornado, participando de um jogo perigoso de gato e rato com as forças da lei.

O enredo se desenrola com reviravoltas dignas de um thriller. Cada carga que chegava lá para os lados de Piripiri era uma vitória suada, uma dose de adrenalina misturada com o sabor doce do sucesso ilícito. Mas, como em todas as histórias sombrias, o destino finalmente alcança seu protagonista.

Numa manhã nebulosa, enquanto o sol tentava romper as nuvens no horizonte, as autoridades, preparadas com a precisão de uma armadilha bem montada, fecharam finalmente o cerco. O corrupto que se tornou ‘criador’ de gado foi capturado; ele viu, então, seu império de ilegalidades desmoronando diante de seus olhos.

A aventura é dentro dessas linhas. E assim termina a saga do lobo-guará (mau) que aprendeu a comprar gado no Uruguai e fazê-lo garoupa. Uma história de ganância, ironia e o resultado ciclo de ação e consequência. Uma história sombria, que nos lembra que, mesmo nas profundezas da corrupção, a vida pode surpreender de maneiras inimagináveis.

O resto, como diria Stanislaw Ponte Preta, é parte do festival de besteiras que continua assolando – e assombrando – o país.

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