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Adeus vivandeiras

Generais mandam capitão esquecer golpe e trabalhar

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Autor/Imagem:
Mathuzalém Junior*

O recado dos generais de ontem e de hoje (ativos e inativos) a Jair Bolsonaro foi tão cristalino como as metáforas céu de brigadeiro e mar de almirante. Como presidente de primeiro mandato, ele tem o direito constitucional de buscar uma segunda encarnação. Entretanto, para isso terá de disputar votos com o ex-presidente Luiz Inácio, que, sem entrar no mérito de sua liberação, foi alforriado pelo Supremo Tribunal Federal e, queiram ou não os bolsonaristas, constará da urna eletrônica como candidato à Presidência da República em 2022, provavelmente sem o voto impresso, como é desejo dos apoiadores e do próprio Bolsonaro.

Desde segunda-feira, 29, estou antenado nas rádios e corredores castrenses. Ouvi tudo que podia e até o que não devia. Estejam certos de que nada foi favorável ao que sonha, diz, pensa, faz ou manda fazer Jair Bolsonaro. De suas decisões e mudanças do início desta semana, ficaram duas certezas: a emenda ficou pior do que o soneto e não há hipótese de golpe baixo como imaginou o presidente e seu rebanho. É aquela velha máxima de quem procura acha. No melhor, mais didático e eloquente meme desses últimos dias, um revela que “o rei está nu…e com o Centrão aparecendo”.

Outro ensina que um dia a gente aprende que nada é meu, seu ou nosso. Tudo é emprestado. A única certeza que se tem é que um dia, mais cedo ou mais tarde, a vida vem e nos toma tudo de volta. O pior deles é impublicável. Deliberada ou prazerosamente, o presidente da República esqueceu essa vã filosofia e, de vez em sempre, chamava de seu um Exército que é de todos e que sabidamente o expulsou. Sua empáfia, soberba e a necessidade de tornar bastidores públicos trouxe de volta a ira sensata e…. de generais que ele demitiu por serem sérios, democratas e fechados com os princípios de liberdade exigidos pela sociedade.

Ex-secretário de Governo, o general da reserva Carlos Alberto Santos Cruz, por exemplo, arreganhou a ferida ao afirmar que Bolsonaro não correspondeu às expectativas da população. “É dever do governo promover a paz social, o que ele não fez. Tudo isso ficou comprometido pelo comportamento pessoal do presidente e desse grupo mais extremista”. Ex-porta-voz da Presidência da República, o também general Otávio Rêgo Barros foi além. Para Barros, a audição seletiva de Bolsonaro escolhe apenas as palmas. “A soberba lhe cai como veste. Os projetos apresentados nas campanhas eleitorais… valem tanto quanto uma nota de sete reais”. A acidez dos militares graduados contra o capitão não tem mais limite.

Nem mesmo os generais bolsonaristas da ativa conseguem mais explicar a escolha política. Acho que até Eduardo Pazuello, enxotado do governo depois de não acertar um tiro na logística do Ministério da Saúde, deve estar envergonhado da frase que cunhou para mostrar subserviência oportuna ao chefe do Executivo. Faz tempo Bolsonaro está distante dos generais, mas desde segunda-feira a maioria esmagadora deles, espantada com a ousadia do moço que se acha dono do mundo, quer distância do governo e do principal inquilino do Palácio do Planalto. Por isso, embora chefe supremo das Forças Armadas, ficou difícil o tenente reformado capitão continuar chamando de seu o Exército que não o viu atingir o alto oficialato, alcançar postos de comando, muito menos ser instrutor de algum soldado, cabo ou sargento.

Distante do Exército e longe de colocar no arquivo morto o sonho de golpear o Estado Democrático de Direito, o presidente só não consegue esconder o desejo de decretar estado de sítio ou de defesa, usar as Forças Armadas para impor pressões de qualquer ordem ao Supremo Tribunal Federal e antipatia a quem reconhece a gravidade da pandemia. De caso pensado ou não, a crise tirou de cena o principal problema do país: o vírus. Contudo, o recado foi dado. O que o Brasil espera é que o mandatário desça do púlpito, esqueça o ódio, o poder e comece a governar. Na quarta, 31, dia mais letal da doença, após a primeira reunião do Comitê da Covid, ele voltou a divergir publicamente do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), e do novo ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, sobre uso da máscara e distanciamento social.

Apesar da situação fora de controle e dos 12.748.747 infectados e 321.515 mortos, dos quais 3.950 em 24 horas, Bolsonaro novamente criticou os governadores que limitaram a circulação de pessoas e o isolamento social como prejudicial à economia. O sarrafo pandêmico está nas alturas, mas o jeito de administrar do capitão não admite contestações, tampouco permite que um cidadão com algum neurônio atenda recomendações da ciência e dê preferência à vida. Não adianta se imaginar herói de uma nação que se acostumou a, enquanto sonha com a imunização, contabilizar diariamente corpos usando a tabela dos milhares. A esperança é o sonho do homem acordado, vivo. Por isso, de que adiantará uma economia nos trilhos sem alguém para usufruí-la. Presidente, como disse Friedrich Nietzsche, “É mais fácil lidar com uma má consciência do que com uma má reputação”.

*Mathuzalém Junior é jornalista profissional desde 1978

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