Cuidado e proteção
Gestantes sem teto no Nordeste enfrentam barreiras
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A gravidez, para muitas mulheres, representa um momento de expectativa e cuidado. Mas, para gestantes em situação de rua, esse período pode ser marcado por insegurança, abandono e dificuldade de acesso aos serviços de saúde. No Nordeste brasileiro, onde as desigualdades sociais ainda são profundas, esse cenário se agrava.
De acordo com dados do Cadastro Único, a região tem registrado um aumento no número de mulheres em situação de vulnerabilidade social, e entre elas, muitas enfrentam a gestação sem qualquer rede de apoio. A falta de moradia, alimentação adequada, acesso a pré-natal e violência institucional tornam a jornada dessas mulheres uma luta pela sobrevivência — para elas e para seus bebês.
O Sistema Único de Saúde (SUS) garante atendimento pré-natal gratuito, mas na prática, o acesso para mulheres em situação de rua esbarra em obstáculos como a falta de documentação, preconceito e ausência de unidades de acolhimento preparadas para atender gestantes.
“A gestante em situação de rua muitas vezes não consegue sequer marcar uma consulta porque não tem endereço fixo ou documento válido”, explica Dra. Renata Azevedo, médica da rede pública em Recife. “E quando consegue, enfrenta olhares de julgamento e atendimentos apressados.”
Em Salvador (BA), por exemplo, segundo dados da Secretaria Municipal de Saúde, menos de 30% das gestantes em situação de rua realizaram o número mínimo de consultas pré-natais recomendado pelo Ministério da Saúde em 2024.
Além da negligência institucional, muitas dessas mulheres relatam episódios de violência física, sexual e psicológica, tanto nas ruas quanto em serviços públicos. Organizações da sociedade civil denunciam a ausência de políticas públicas específicas para proteger essas gestantes.
“Essas mulheres são tratadas como invisíveis”, diz Luciana Ramos, coordenadora do projeto “Mãe na Rua”, em Fortaleza. “Elas são julgadas por estarem grávidas nessa condição, como se a maternidade fosse incompatível com a pobreza extrema. Isso é desumano.”
Apesar das dificuldades, algumas iniciativas têm buscado mudar esse cenário. Em Natal (RN), o projeto “Casa de Mãe” oferece abrigo temporário para gestantes em situação de rua, além de acesso ao pré-natal, alimentação e suporte jurídico. Em João Pessoa (PB), o programa “Roda de Cuidados” articula profissionais de saúde, assistência social e direitos humanos para acompanhamento contínuo dessas mulheres.
Contudo, essas ações ainda são pontuais e insuficientes diante da demanda.
Especialistas apontam que o Estado brasileiro falha em garantir os direitos fundamentais dessas mulheres. A Constituição e o Estatuto da Criança e do Adolescente asseguram proteção integral à mãe e ao bebê, mas, sem políticas públicas estruturadas, a realidade segue marcada pelo abandono.
“A falta de uma política intersetorial — que articule saúde, moradia, assistência social e segurança — perpetua a exclusão dessas mulheres”, alerta a defensora pública Cíntia Moura, do Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos em Maceió.
É certo que eEnquanto faltarem políticas públicas eficazes, sensíveis e específicas, a maternidade para mulheres em situação de rua no Nordeste continuará sendo uma experiência de dor e luta solitária. A garantia de seus direitos não é apenas uma questão de saúde pública — é um imperativo de justiça social.
