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Sol Nascente

Godofredo, Onofrina e Café, uma história de amor

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Autor/Imagem:
Eduardo Martínez - Foto Reprodução

Godofredo teria por volta dos 15 anos quando encontrou aquele mirrado cachorro dentro de uma caixa de papelão bem em frente ao portão de sua casa, ali na comunidade do Sol Nascente. Antes mesmo de pensar no que faria com aquele pulguento, deu-lhe o nome, ali mesmo, de Café. Não que fosse preto, mas simplesmente porque Godofredo estava com uma xícara nas mãos dessa famosa iguaria nacional.

Não demorou, o rapaz pegou o filhote no colo. Pela sua experiência, que na verdade não era muita, supôs que aquele cachorro deveria ter no máximo um mês, talvez até dois. Não tinha certeza disso nem se a mãe, Onofrina, aceitaria um novo inquilino no barraco.

Não só aceitou, como o acolheu com muitos mimos. A despeito de tais agrados, Café não desgrudava do Godofredo. Mas também andava nos calcanhares da Onofrina, especialmente para pegar uma migalha de pão. A mulher, por sua vez, não conseguia resistir àqueles olhos pidões.

Café deu uma espichada, mas nada que lhe alçasse à categoria dos cães médios, muito menos dos grandes. Era pequeno e olhe lá. Alguns o classificavam de quase rato, mas não como as robustas ratazanas da região. Café não passava de um camundongo! Tanto é que amava se aconchegar nas mãos do Godofredo.

No primeiro aniversário, o cachorro ganhou de presente uma salsicha. Ele a devorou quase que instantaneamente. Todavia, eis que passou quase uma semana vomitando os bofes, além de emporcalhar a casa com uma diarreia daquelas. Não morreu por milagre ou, então, devido aos cuidados da Ofélia e do Godofredo, que sofreram quase tanto o bichinho por dias.

Veio o segundo ano de vida do vira-lata. Nada mais de salsicha. Ganhou uma bolinha, que passou a ser o seu brinquedo preferido. E não importava quantas vezes Godofredo jogasse a bolinha, lá ia o cãozinho buscá-la. E ficavam assim por algum tempo, até que o Café era mais língua que cachorro.

Os anos seguintes vieram com uma rapidez não percebida por aquela gente. Godofredo já passara dos 30, mas continuava fiel ao seu companheiro, que já não tinha forças para correr atrás da bolinha. Esta, tão gasta pelo tempo, permanecia intacta no canto do quarto. Onofrina continuava deixando as migalhas de pão caírem da mesa, que eram devoradas pelo agora quase desdentado Café.

Pouco antes do Dia de Finados, Café decidiu antecipar a sua partida. Dormiu nas mãos do Godofredo e não mais despertou. Ou, se o fez, deve ter sido no Céu dos cães, onde, dizem, há muitas migalhas de pão.

Foi uma comoção só! Com o coração apertado, lá foi o Godofredo enterrar seu melhor amigo. Arrumou uma caixinha de papelão, quase igual àquela na qual encontrou o Café. Acomodou-o cuidadosamente e o enterrou ali em frente ao barraco. Chorou todas as noites possíveis abraçado à mãe, que também verteu muitas lágrimas.

Apesar dos quase 10 anos seguintes, Café ainda era assunto recorrente entre mãe e filho. Entretanto, aquela dor da perda passara, há tempos, a lembranças de momentos de alegria vividos pelo então trio.

Certa manhã, Godofredo acordou com um sorriso no rosto. Havia sonhado com o Café, que corria atrás da bolinha em um lindo gramado verdinho. Não teve dúvida, foi apostar no jogo do bicho.

Ganhou uma bolada! Não ficou rico, é verdade, mas deu entrada num quarto e sala na rua lá embaixo. Fez a mudança assim que possível.

Já instalados na nova moradia, Godofredo deu de presente para a mãe um jarro de flores, mas sem flores. Apenas terra e nada mais. Onofrina apenas observou o filho depositando aquele objeto ao lado do sofá. Em seguida, Godofredo enterra alguns ossinhos no vaso. A mãe, com os olhos marejados, abraça o filho.

– Eu sabia que você faria isso. Você não abandona os que ama!

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