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Brasil sem saída

Golpe da mansão no Lago vai parir uma Venezuela

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Autor/Imagem:
Mathuzalém Junior*

O Brasil está a um passo do colapso na saúde, mas a palavra de ordem de Bolsonaro para seus seguidores é excitação. Em outras palavras, o que o presidente pede é o que vemos desde o início do governo: pouca ação, blá blá blá à exaustão, seguidas mentiras, negacionismo a qualquer preço e, claro, muito ódio. Muita gente anda perguntando até quando teremos de conviver com o pior governante que o Brasil já teve. Ninguém sabe. Se a decisão for apenas no voto, tudo indica que mudaremos na eleição de novembro de 2022. Improvável, mas não impossível, consolidar um golpe articulado em família dependerá dos generais sérios, comprometidos com a democracia e, sobretudo, insatisfeitos com os rumos ditados pelo capitão.

Militares por vocação, esses oficiais graduados sabem desde já que apoiar a sandice de um golpe é sinônimo de isolar ainda mais um país desacreditado e sem respeito das nações mais ricas do mundo. Assumir um novo mandato amordaçando a sociedade, calando a imprensa, fechando instituições e prendendo adversários ou antagônicos ideológicos agradaria dúzia e meia de fanáticos e meia dúzia de generais que sabidamente não abrem mão de mais um contracheque. Como qualquer ação gera uma reação, a radicalização não acabaria bem para qualquer dos lados, principalmente num cenário de buraco negro econômico que se avizinha.

Sem ajuda logística ou financeira dos Estados Unidos, correríamos sério risco de venezuelizar o Brasil, inclusive no quesito empobrecimento máximo. Não é crível sequer imaginar tal coisa, mas, lembrando que Bolsonaro nunca desdenhou do poder e considerando o nível de tirania e raivosidade do presidente e apoiadores, experimentaríamos o ápice da incoerência. Não faz muito tempo, os extremistas de direita satanizaram Luiz Inácio, Dilma Rousseff e toda a turma da esquerda pela simpatia demonstrada à forma escolhida pelos camaradas Hugo Chavez e depois Nicolás Maduro para administrar o país vizinho, outrora um dos maiores exportadores de petróleo do mundo, consequentemente com caixa de fazer inveja ao G20.

Graças aos deuses do desabafo, o tempo é o senhor da razão. Hoje, com a falácia do golpe e com o isolamento que nos impuseram silenciosamente, sobraria ao arremedo de ditador brasileiro se apegar ao populismo barato da Venezuela e marchar de mãos dadas rumo ao inferno político-econômico do qual saímos em 1989 e ao qual jamais imaginamos voltar. A dor e o sofrimento são sentimentos conhecidos apenas por quem os experimenta ou já os experimentou. Por exemplo, os venezuelanos e os perseguidos pós-Revolução de 1964. Portanto, torçamos para que tudo não ultrapasse o plano hipotético.

Obviamente é mais fácil esconder incompetência e ausência de neurônios em ditaduras, nas quais tudo que for dito será usado contra quem diz. Nelas, a vontade e a força dos líderes normalmente se sobrepõem aos problemas estruturais e à sabedoria popular. Entretanto, dificilmente esvaziam sonhos, tampouco sepultam a certeza de que um dia tudo voltará ao normal. Foi assim com as ditaduras de Getúlio Vargas e dos militares comandados pelos marechais Castelo Branco e Costa e Silva e pelos generais Emílio Garrastazu Médici, Ernesto Geisel e João Figueiredo. Foram anos de chumbo, repressão, perseguição, torturas, assassinatos e desaparecimentos, mas nunca de desprezo ou desrespeito público ao cidadão comum e que sofre com a pandemia, a falta de vacina, o desemprego e a ausência quase absoluta de recursos.

É o que acontece agora. Priorizam a política e o sucesso pessoal à vida. A confiança do presidente da República em um novo mandato ou em ocupação perpétua do Palácio do Planalto é tamanha que a vergonha não incomoda mais o entorno do capitão. É detalhe perguntar como o senador Flávio Bolsonaro, após quatro anos como deputado federal e dois como senador, com salário líquido de R$ 25 mil, conseguiu economizar milhões para comprar uma mansão em Brasília. É o 20º. imóvel de propriedade do parlamentar em 16 anos, conforme matéria pulicada em 2018 pela Folha de São Paulo. O negócio foi concretizado uma semana após a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça anular a quebra dos sigilos bancário e fiscal de Flávio Bolsonaro no caso das rachadinhas.

O argumento contra o voto do zeloso e sério ministro Felix Fischer foi a brevidade de palavras do juiz de primeira instância. A mesma Quinta Turma ainda julgará recursos que buscam invalidar relatórios do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) e decisões do juiz primário, além de um habeas corpus em favor de Fabrício Queiroz, ex-assessor parlamentar do 01. Com a palavra os ministros Reynaldo Soares da Fonseca, Ribeiro Dantas e Joel Parcionick, que acompanharam o voto divergente do ministro João Otávio de Noronha, que, nos últimos meses, se aproximou demasiadamente do Planalto. Nada demais. No momento em que inexistem leitos de UTI,  o problema é explicar à sociedade como sobra dinheiro no clã Bolsonaro e como faltam decisões judiciais contra os genocidas e em favor da vida. É só um problema de consciência. Hoje, infelizmente, o Brasil registra 10.587.001 de infectados e 255.720 mortos pela Covid-19.

*Mathuzalém Junior é jornalista profissional desde 1978

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