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Sigilo pastoral

Governo do rei recupera estilo Ricupero para manter castelo de pé

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Autor/Imagem:
Mathuzalém Junior* - Foto de Arquivo

No melhor estilo Rubens Ricupero, o rei daquele país tão tão distante decidiu que seus súditos não precisam de respostas sobre as mazelas de seu reinado terrivelmente evangélico. E olha que são muitas. Tantas que Gepeto está sendo recriado para dar nova forma à história de Pinóquio, personagem cujo nariz crescia alguns centímetros a cada mentira contada. Assim como o governo a que pertenceu Ricupero dizia, quem não deve não teme. Então, por que não abrir o livro administrativo e mostrar a todo reino que o santuário da honestidade continua de pé? Todas as moscas encasteladas naquele palácio modorrento sabem que a romaria de pastores nos salões e gabinetes palacianos quase exorcizou o povo de Deus.

Quase. Tudo indica que não conseguiram. Eles se perderam pelo caminho, pois não contavam com a medonha astúcia do pastor-mor, o que se dizia craque em educação. Esse parece que gravou o conversê e alguém, ainda esperto, vazou. O resultado foi o que se viu. Na verdade, é o que se vê. Para um rei que faz questão de afirmar aos súditos do quadradinho que não peca, não seria difícil divulgar o quantitativo e a lista de pastores lobistas do MEC acostumados aos cultos diários, semanais, quinzenais ou mensais com sua majestade. Só para registrar, todos são investigados pela Polícia Federal.

Não cravei a periodicidade justamente por não ter conhecimento das reuniões, que, em qualquer lugar do mundo, deveriam ser públicas. O conteúdo delas até poderia ser privado, mas jamais escondido. Mais absurda do que escamotear a informação é a desculpa de sua excelência fardada. Para não usar rótulo pessoal, é piada de berçário a alegação de que os “encontros” não podem ser divulgados porque colocariam em risco a vida do rei e de seus familiares. Será que trataram de um possível convite para Vladimir Putin assumir o Ministério da Defesa em caso de um novo mandato? Talvez tenham pensado melhor e decidiram oferecer ao “irmão” russo a vaga de vice-rei.

Como estamos na Semana Santa, provavelmente só Deus terá conhecimento do que se passou naquela sala apinhada de fanáticos pelo dinheiro do povo. Da mesma forma, o castelo encantado nunca informará quantos dos representantes da Forças Armadas estão precisando de Viagra e quais receberão as 60 próteses penianas. Farão o que fizeram com o leite condensado. Tomaram tudo e não contaram para ninguém. O silêncio é sepulcral. A coisa é séria, mas para eles parece brincadeira de gato e rato. Seguindo a cartilha de Ricupero, o carimbo de sigiloso é aplicado sempre que os fatos não interessam ao reino. Ao contrário da transparência que cobra nos outros, sua majestade crava o sigilo em qualquer assunto que lhe queima as mãos.

Interessante é que, de viva voz, ele não se cansa de criticar antecessores que usaram de artifícios semelhantes. A bem da verdade, acho que nem usaram (ou usaram mal), pois até hoje pagam por não terem “escondido” determinados feitos. Antes que me esqueça, Rubens Ricupero é a prova viva de que o povo não esquece o que lhe fazem. Professor, advogado, diplomata e escritor, ele foi ministro da Fazenda, do Meio Ambiente e da Articulação de Ações na Amazônia durante o governo Itamar Franco. Ele renunciou em setembro de 1994, assim que soube do vazamento, via satélite, de uma conversa sua com o cunhado jornalista Carlos Monforte, então na Rede Globo, revelando alguns detalhes sobre o Plano Real.

Antes do início da entrevista, sem saber que o sinal estava aberto, Ricupero disse para o Brasil inteiro ouvir que não tinha escrúpulos. “Eu acho que é isso mesmo: o que é bom a gente fatura, o que é ruim a gente esconde”. Reitero que Ricupero renunciou e ganhou como prêmio a Embaixada do Brasil na Itália. Claro que é só uma lembrança, mas bem que Deus, presente no bordão do governo, poderia dar um empurrãozinho. Em agradecimento, certamente a maioria dos súditos faria peregrinações diárias a Santiago de Compostela, aos santuários de Aparecida e de Nazaré e, se necessário, ao Templo de Salomão.

*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978

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