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Frutos nefastos

Há brasileiro com perfil de estupidez e barbárie, e não é por acaso

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Autor/Imagem:
Mathuzalém Júnior/Foto Reprodução Caos Filosófico

Alertado por um daqueles amigos que viram membros da família, nesses últimos dias debrucei-me sobre um maravilhoso ensaio produzido por Ivann Lago a respeito da trajetória do presidente da República, Jair Messias Bolsonaro. Mais do que um atual e irretocável artigo, o texto do professor e doutor em Sociologia Política é uma descompostura – sem vírgulas e sem reticências – ao povo que apoia a disseminação de fake news e destila ódio em defesa de um mandatário “ganhador do troféu de campeão nacional da escatologia”. É um apoio irrestrito ao mesmo líder que aprova teses negacionistas, machistas, moralistas, racistas, homofóbicas, misóginas, preconceituosas, politicamente incorretas e com valores sócio-políticos ultrapassados.

Muito bem escrita, a espinafração talvez seja inócua, mas certamente teve êxito entre os que, como eu, têm urgência em repensar o que ainda resta do Brasil. Obviamente negativa entre os bolsonaristas raiz, nada mais real do que a afirmação de que levaremos décadas para compreender a escolha, em 2018, de um tenente expulso do Exército por atos terroristas para comandar uma nação que estava a três passos do precipício. Hoje, após a confirmação do absoluto despreparo do comandante em chefe das Forças Armadas, o abismo foi transformado em um imenso buraco negro. E dele só sairemos quando o povo, também conhecido por eleitor, se der conta de que forjar um líder é, além de irrecuperável dos pontos de vista social, político e econômico, preocupantemente danoso para qualquer pretensão externa mais imediata.

Pior do que isso é não percebermos que aventureiros com um mínimo de inteligência são capazes de transformar uma sociedade historicamente ordeira e pacífica em grupelhos estultos e de comportamentos inescrupulosos, violentos e intolerantes. Infelizmente, o presidente é o retrato de parte do Brasil de nossos dias. É o quadro pintado com o que há de mais nefasto na política nacional e comprado à força pelo que há de menos representativo na população. Enfim, são os ensinamentos do bolsonarismo. Como as mentes ocas ou abespinhadas facilmente aprendem o que é bom ou ruim, vale exemplificar o resultado da tela expressa pelos terrivelmente apopléticos com o recentíssimo gesto de um grupo de estudantes de medicina da Universidade de Nova Iguaçu (Unig), campus de Itaperuna.

Provando que imbecilidade e cultura não são conceitos antagônicos, os supostos futuros médicos foram capazes de, numa competição esportiva com colegas, entoar cânticos de teor preconceituoso contra adversários apenas momentâneos. Nos versos cantados (“Eu sou playboy, não tenho culpa se seu pai é motoboy”), a ofensa dos “alunos” elitistas da Unig era um ataque sórdido aos colegas pobres, os mesmos que Bolsonaro e seus seguidores insistem em querer cada vez mais pobres. Como disse Ivann Lago, esse novo cidadão brasileiro não é fruto do acaso. Ele não surgiu do nada, tampouco brotou “do chão pisoteado pela negação da política”. Alimentada pelo ódio do clã, a escola do fundamentalismo está deixando raízes.

Se o mestre acha normal inverter a ordem de prioridades, imagino que seus discípulos não achem anormal chicotear verbalmente artistas, intelectuais e mestres, além de um semelhante, apenas porque eles descendem de pais trabalhadores ou porque pensam. Lamentável é que a estupidez estimulada pelo mito de coisa alguma não é restrita ao jaleco ou ao estetoscópio. Ela alcança professores, policiais rodoviários federais, policiais militares, parlamentares estaduais e federais e até servidores e magistrados de tribunais superiores, entre outros segmentos. Isto posto, peço a Deus para que nunca precise dos serviços de profissionais com esse DNA satanizado.

De concreto, precisamos cruzar os dedinhos para tentar mudar o porvir do Brasil. Façamos agora todo o possível para recuperar as boas energias perdidas. É fundamental que tentemos fugir das trevas, cujos defensores usarão qualquer arma para vencer a luz. É a essência de nossa realidade pós-Bolsonaro. A sensação de todos é de que esse perfil inventado pelos ofensores gratuitos e fanatizados não acabará com uma canetada ou com uma eventual derrota do bolsonarismo. Particularmente, temo pela perpetuação da barbárie, principalmente pela renovação do show de horrores.

*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978

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