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Mais uma do vô

Histórias mal contadas de um inventor mal inventado

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Autor/Imagem:
Wenceslau Araújo - Foto de Arquivo

Meus momentos de glória profissional podem ser atuais, mas os de prazer intenso, de irresponsabilidade total e de lembranças de lambanças impagáveis são, inquestionavelmente, os de antigamente. Por exemplo, não há dinheiro que pague a felicidade de meu avô Aristarco Pederneira de Araújo com alguns dos feitos mais idiotas que produzi, mas cujos efeitos práticos até hoje me fazem duvidar da honestidade do velho. Será que deu mesmo resultado ou ele só quis agradar o neto ainda engatinhando nas tais invenções endiabradas?

Passadas algumas décadas, ainda não sei o que houve de fato. A única certeza é que, já na meia idade, o sinal de wifi do velho Aristarco era pífio. O que sei é que, por meio dos bolsos recheados de escorpiões do meu avô, recebi o primeiro pagamento por uma de minhas bobajadas. Uma delas foi realizada com a utilização de um tal gumex, produto usado àquela época para fixar e engomar cabelos. Na verdade, para endurecê-los. Meu avô me flagrou com uma enorme minhoca untada e dura de gumex e eu tentando empurrá-la de volta ao buraco de origem.

– O que está fazendo, moleque? – Nada, vô. Só estou devolvendo a minhoca ao buraco. – E ela entra direitinho? – E rápido, vô.

Acho que para comprar os direitos autorais de minha diabólica invenção, o velho Pederneira me deu cinquentão. No dia seguinte, durante o café da manhã, ele me deu mais cinquentão.

– Que isso vô. Você já me pagou.

– Segura aí, menino, essa parcela foi sua vó quem mandou.

Foi ali que descobri minha vocação invencionista. Hoje vivo de inventar histórias. Como são mais ou menos, nunca mais consegui nada. Às vezes, ganho o que a Luzia ganhou na horta. Melhor que não saibam o que é.

Contratado para assessorar um candidato a prefeito nas eleições de outubro próximo, fui demitido antes do encerramento da primeira reunião com o eleitorado. Aprendiz de feiticeiro, cheguei com o arremedo de político a uma vila do interior do lugarejo. De pronto, as pessoas se aproximaram e disseram para ele: “Senhor, a gente aqui tem dois grandes problemas”. Conduzindo a resposta, pedi para que meu assessorado indagasse pelo primeiro. “Não temos médico por aqui, senhor candidato”.

Ao meu comando, o pagador pega o celular, caminha falando e volta dizendo: “Pronto! Amanhã chega um médico à cidade. Qual é o segundo problema?” “Senhor, não temos antena e aqui não pega celular”. Desnecessário que o político e eu perdemos duplamente. Ele a eleição e eu o emprego. O passo seguinte foi atuar como conselheiro sentimental. O primeiro cliente foi um vendedor de uma loja de departamentos, daquela que vende do alfinete ao avião. Como ele queria impressionar financeiramente a pretensa namorada, sugeri que ele a seduzisse com o conto mercantilista do vigário.

Com o texto decorado, o sirigaito adentrou a casa da futura noiva e, puxando do bolso um bolo de dinheiro, disse à moça que havia ganho uma boa comissão com as vendas daquele dia. Curiosa e muito mais espevitada, a moçoila quis saber quanto. “Ganhei R$ 432,00 com a venda de 20 colchões e 12 calcinhas. Como venderei bem mais, já podemos pensar em algo mais sério”, disse o animado rapaz. A resposta me antecipou um vasto chifre e, mais uma vez, o amargor do desemprego: “Você ganhou 432 reais com a venda de 20 colchões e 12 calcinhas. Pois eu com apenas um colchão e sem calcinha ganhei R$ 1,5 mil. Tô fora!” Perdi mais um emprego.

Como desgraça pouca é bobagem, sem grana e sem perspectivas, retornei à humilde residença e, ao entrar na garagem, descobri afixado no pára-brisa do carro um recado bem sugestivo: “Esse corpinho ainda será meu”.

Animado com a possível pretendente, saí à procura de um orelhão e liguei. Era anúncio de uma funerária. Procurei o bar da esquina e biritei até me sentir fora do prumo. Biritado ao extremo, mais do que os fanáticos pelo mito da farofa, voltei correndo para o recesso do lar antes que o pior acontecesse. Fui salvo pela simplória mensagem em latim de um brother no WhatsApp: “Amicus, anus etilicus cominium num habet”. No português mais escorreito, o termo quer dizer o de bêbado não tem dono.

*Wenceslau Araújo é Editor-Chefe de Notibras

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